quinta-feira, 18 de abril de 2013

"Cheiro de mãe", por Gilda Hopffer

Esses dias, emocionei-me com a deliciosa narrativa da Gilda Hopffer, cearense residente em Portugal, jornalista, casada e mãe de 4 filhos.
 
A Gilda poderia ser a Paula, a Joana, a Filipa, a Susana… é uma mulher que, como tantas outras, também se perde no horizonte de tarefas que uma mãe tem de desempenhar, de ser e de se lembrar. A Gilda poderia ser o João, o Paulo, o Pedro, o José…
 
O que fez a Gilda ser "diferente" foi a descoberta de que exala um cheiro “redondo” logo de manhã, que deixa impregnado de amor o quarto do filho. Lembrei-me que para a Malu eu sou “quentinha”! E de repente ocorreu-me que todos nós somos de alguma forma únicos para os nossos filhos, temos qualquer coisa que nos identifica, e ri da forma como as crianças docemente percecionam e traduzem a sensação de segurança e conforto que lhes transmitimos!
 
Vamos deixando nossos rastros pela casa, cheiros e pegadas, ao alvedrio de nossa alma.
 
Sem mais, leiam a Gilda Hopffer: 

“Cheiro de Mãe
Eu andava pela casa, um bocado à pressa a observar tudo à volta, tentando examinar se não estava a esquecer de nada. Viajar com uma tropa de crianças é sempre caótico, pelo menos para mim, que as vezes perco a orientação inicial e sigo uma bifurcação qualquer que surge a meio do caminho. Mas, pronto, nesse meu “para lá e para cá” eis que Joãozinho irrompe com uma:
_ Já vi que vais mesmo sair, mãe!
_ Claro filho, vamos sair todos, mas por que dizes isso?
_ Porque sempre que vais sair tens esse cheiro! 
E aquilo era verdade, há anos que venho sendo fiel ao mesmo perfume e a algumas rotinas! Assim, vou deixando pegadas do meu cheiro. Não resisti à constatação do Joãozinho e instiguei:
_ Mas e quando a mãe não vai sair, que cheiro é que a mãe tem?
_ Muitos outros... tem cheiro da Clarinha, tem cheiro de bolo de laranja, de papa, de sopa, tem cheiro de roupa lavada, de champô e daquelas coisas que tu pões na cara!
_ Mas de que cheiro tu gostas mais?
_ Gosto daquele cheiro que tens quando me vais buscar à cama de manhã.
Fiquei pensando que cheiro seria aquele!
_ Tas a falar do cheiro da pasta de dentes?
_ Não, mãe, é um cheiro "redondo", que é aquele cheiro de mãe quando acorda. 
Sem mais explicações, Joãozinho agarrou no seu brinquedo e correu para o carro, deixando-me ali a sorrir sozinha. E eu não sabia, nem tão pouco entendia, que mães têm cheiro, aliás têm cheiros, que somente são sentidos pelo apurado senso de pureza das crianças. Fiquei enternecida e ali parada, acabei por voltar ao mundo real com um grito de “estamos atrasados” que ecoava lá da garagem. Despachei-me e fui a correr para colar todos às cadeirinhas e colar-me também a mim no banco do carro. Suspirei e disse “vamos embora” e de repente senti um cheiro de mãe que esquecia alguma coisa, mas como sempre, só ia lembrar da tal coisa, quando fosse já tarde demais – cheirava-me enfim que tudo valia a pena!”

4 comentários:

  1. Eu fico imensamente feliz em, de alguma forma ,participar deste espaço que exala ternura e tem cheiro de coisa boa, daquelas coisas que a gente sabe logo que vêm para ficar! Obrigada Núbia querida! Continua! Beijo grande!

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  2. Eu que te agradeço, Gilda, pela tua ternura e bondade... Escreve mais ;) Bjs

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