quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Os Sequilhos com Goiabada, por Jonathan Araújo

Uma amiga do coração partilhou este texto comigo. Avessa a redes sociais, discreta e atenciosa, envia-me coisas por e-mail ou mais recentemente pelo Wathsupp, que não consigo segurar. Passo a frente. O que é bom é mesmo para circular. 

Fonte: Internet
"Criei o costume de toda semana comprar sequilho com goiabada na padaria perto daqui de casa. Comê-lo bebendo um café sem açúcar tornou-se, sem exagero, um dos momentos mais deliciosos da semana (tirando o dia da coxinha com café). Mas a goiabada me incomodava. Não necessariamente ela, mas sua pouca quantidade. Era um pingo no meio do sequilho. Reclamei na padaria, chamei o padeiro de casquinha e tudo mais. Outro dia, voltando do estágio, passei pela padaria e, pra minha sorte, disseram que havia um sequilho especial pra mim. Lá estava, o meu sonho num sequilho de um real. Quase que completamente coberto de goiabada. Chegando em casa, preparado o café e toda a ritualística necessária para consumir o apetecível sequilho, ocorreu que não comi nem a metade. Enjoei na segunda mordida. Doce demais, chegava a dar náuseas. Dia seguinte, cheguei na padaria e lá estava: outro sequilho coberto de goiabada. Me ofereceram e, por vergonha de dizer que odiei o do dia anterior, comprei. Em casa, raspei a goiabada e comi. O problema, o inferno, não era a goiabada nem o padeiro, era eu. Fui eu quem, amando o que amava, queria do meu jeito, sem entender que eu gostava era do jeito que era, porque se do meu jeito fosse, eu rejeitaria, enjoaria e até tentaria fazê-lo voltar a ser como era. Assim fazemos com as pessoas também. No início as amamos como são, depois que estão conosco começamos a criticar, tentamos mudá-las, tentamos "colocar do nosso jeito", sem saber que nosso jeito são nossas projeções, pessoas que não existem, e que se existissem, enjoaríamos delas. Transformamos para descartar, porque quando aquela pessoa muda, muito provavelmente quem gostávamos não está mais lá. Essa semana voltei a padaria, pedi o sequilho sem goiabada e mandei avisar ao padeiro que o próximo texto quem escreve é ele, provavelmente virá algo de bom, ainda que não seja doce."
(Jonathan Araújo) 

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Silêncio!!!

Fonte: Internet

Estava a tentar ouvir o silêncio, mas quando fechava os olhos, via uma casa cheia de vazio. Era a mesma casa de antes, embora agora parecesse estranha demais. Via tudo indo embora: a cama do casal, as roupas do roupeiro, o quarto dos miúdos, os livros, o pó, o cheiro... Só ficava o silêncio que, dizia ela, apertava-lhe o peito e sufocava as palavras que ainda ressoavam no ar. As palavras do silêncio: "Não ajudas"; "És desorganizada"; "Não transas"; "Sentes-te gorda, é por isso"; "Não pagas as contas"; "Não gostas das pessoas"; "Estas sempre de má cara"; "Vives para as crianças"; "Pareces uma dondoca"; "Não tens noção do dinheiro"; "Devias acordar mais cedo"; "Não tens espírito de sacrifício"; "Não sabes gerir"; "Não tens jeito..." Eram as palavras que não queriam se calar as que mais lhe doía, as que lhe roubava a esperança e lhe enchia de medo. Sabia o que tinha de fazer, não sabia como... passou-se demasiado tempo e já não sabia como ser outra pessoa que não aquela (essa) que agora julgava ser. Fizera-lhe acreditar nisso. Como seria ser feliz? Parecia tão simples, parecia uma pintura em tela, um retrato na parede onde todos estavam a sorrir. Alguém, outro dia, disse-lhe que ser feliz dava trabalho... mas parecia tudo tão perfeito! Quando foi que deixou de ser? Será que foi quando um deles sentiu a urgência da vida? Será que foi quando um deles, sobrecarregado dos dois, encolheu-se? Será que foi desde as primeiras contas; desde que se notou as desigualdades; desde que se calaram; desde que gritaram; desde que um continuou e o outro ficou a ver; desde que um ocupou o lugar de dois... Será que foi desde sempre? 

Ela contava-me isso mas dizia que estava bem, eu percebi que era importante para ela e acreditei. Dizia que meditava e que fazia terapia, que logo faria uma viagem sozinha e que haveria de terminar tudo o que começou. Depois... depois que fechasse aquele negócio, seria tudo diferente, dizia. Dizia, ainda assim, que sentia-se em paz. Eu não. Eu não compreendia. Parecia-me silêncio a mais.