terça-feira, 30 de abril de 2013

O Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, um natimorto

Escrever uma tese ou um trabalho com interesse científico pode parecer simples mas a mim a tese apavora, confronta e deprime. Às vezes, como forma de minimizar o meu desconforto, brigo com ela (amuo mesmo!) e digo-lhe em alto e bom som que ela é maior do que eu. Tem sido uma briga de titãs, sobretudo porque não faço ideia do que existe ao fim da tese! Seja lá o que for, obrigo-me a cumprir etapas sem pensar no que vem depois.

A minha guerra com a tese começa já pela forma escrita. Quando defendi o Projeto (que na dúvida escrevi segundo as normas ortográficas de Portugal), a primeira advertência feita pelo Arguente foi para seguir o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. O que de certo modo me deixou "baralhada"! Isto porque, apesar de integrar a lusofonia, levei anos para "domesticar" o meu "brasilês" pouco formal ou mesmo arcaico (segundo me disseram!), sendo este um facto que procuro contornar. A dificuldade é acrescida, considerando que já confundo algumas regras ortográficas do meu português brasileiro com as do português de Portugal. 

À partida, o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa parece ser um alento caso venha a vigorar dentro dos seus propósitos, isto é, instituir uma ortografia oficial unificada, pondo fim às divergência existentes entre as normas ortográficas aplicadas no Brasil com as dos outros países de língua portuguesa. No entanto, as dúvidas persistem visto que o Acordo não tem conseguido o consenso dos linguistas e académicos, continuando desta forma com a sua obrigatoriedade suspensa.

O Acordo conta com a subscrição de todos os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) mas recentemente Angola assumiu uma posição contrária à sua vigência. Aliado a isto, no Brasil, o período de transição para a implementação das novas regras foi prorrogado para 31 de Dezembro de 2015 (o prazo original ia até 31 de Dezembro de 2012), alegadamente por exigir um maior tempo de maturação e para coincidir com o calendário de Portugal. As novas normas, portanto, continuam sendo de aplicação facultativa (aceitam-se as duas grafias) pelo menos até final de 2015 (no Brasil e em Portugal), mesmo já tendo sido adotadas pelas editoras, revistas e jornais.

São inúmeras as críticas que se fazem ao Novo Acordo. Há quem diga que o mesmo nunca prevalecerá, porque na realidade quem faz a língua é o povo, cujas particularidades são intransigíveis. Outros defendem que o Acordo precisa ser simplificado ou vamos todos correr o risco de voltar à velha "decorrera" de sempre. Mas o certo é que o Acordo, datado de 1990, já está desfasado e pelo visto não tem se prestado a cumprir a função político-cultural para a qual foi concebido.

Em suma, desconfio que o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, de tão velho, caia em desuso antes mesmo de chegar a ser! Aliás, pensando bem, é provável que já tenha nascido morto!

domingo, 28 de abril de 2013

O Bolo de Maçã: rápido, fácil, saboroso, pouco calórico e económico


Com o vento que está lá fora e a temperatura que cismou em baixar alheia ao facto de ser um domingo de primavera, apeteceu-me fazer um bolo. Antes, devo dizer que tenho uma ligação muito especial com os bolos. Adoro bolos, levo isto dos bolos mesmo muito a sério. Já notaram que nos aniversários e casamentos quase sempre o bolo é o centro das atenções? E que é em volta dele que se comemora, canta, brinda e fotografa? Por isto, há sempre um bolo relacionado a um acontecimento importante.

Mas, não sendo eu propriamente uma expert em assuntos de culinária, quando as crianças estão em casa há que ser uma receita fácil e rápida de preparar, o que me levou a pensar numa espécie de bolo quase instantâneo e ao mesmo tempo saboroso, pouco calórico e económico. Tinha de ser o Bolo de Maçã! Confiram a receita:

Ingredientes:
3 maçãs cortadas em tiras
1/2 chávena (xícara) de açúcar mascavo ou amarelo
1/2 chávena (xícara) de açúcar branco
1/2 chávena (xícara) de óleo
1 chávena (xícara) de farinha de trigo
2 ovos
1 colher de chá de fermento
1 colher de chá de bicarbonato de sódio
1 colher de chá de canela em pó
Pitada de sal

Opcional
1/2 chávena (xícara) de uvas passas ou sultanas
1/2 chávena (xícara) de alperces secos (damasco)
1/2 chávena (xícara) de nozes

Modo de fazer
Misturar tudo e levar a assar numa forma untada e polvilhada, a temperatura média (mais ou menos 180º). Esperar arrefecer e em seguida desenformar.

Sugestão: Costumo fazer o Bolo de Maçã no Natal, acrescentando à massa os frutos secos (opcional). Pode servir como sobremesa, acompanhado de gelado (sorvete) de baunilha ou outro a gosto.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Harvard retira o leite da cadeia alimentar e o Nutricionista Alexandre Fernandes vem nos falar

Recentemente, a Harvard School of Public Health lançou o novo guia alimentar Healthy Eating Plate (Dieta Saudável) onde envia uma forte mensagem ao Departamento da Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e ao mundo inteiro, pugnando pela substituição da pirâmide dos alimentos. Nesse guia, após um trabalho de investigação intenso e ao pormenor, alegadamente livre da pressão de lobbies e grupos industriais, os especialistas de Harvard recomendam a total ausência de laticínios para uma alimentação saudável, o que se deve ao fato do “consumo alto destes alimentos aumentar significativamente o cancro (câncer) da próstata e dos ovários”. Referem, ainda, que devido aos altos índices de gordura saturada e à adição de químicos em sua produção, os laticínios devem ser evitados e substituídos por legumes verdes (p. ex., couve, brócolos, repolho, etc.), soja enriquecida e grãos para a obtenção do cálcio necessário.
 
A confusão instaurou-se lá em casa e ficamos divididos: O Zé, pragmático, abortou o leite da sua alimentação; eu, que não gosto nada de fundamentalismos e acho sempre que é no meio que está a virtude, continuo tomando a minha caneca (reduzida) de leite meio gordo (semidesnatado) pela manhã; as meninas... bem, não sou mãe para "cortar" abruptamente o "leitinho" delas!
 
Mas como veem, em casa com pais dissidentes e duas crianças incapazes de consentir, o assunto passou a ser motivo de discussão. Assim, achei por bem ouvir a opinião de um Nutricionista, de quem tenho as melhores referências e que ao fim veio corroborar o que penso sobre toda esta polémica. É claro que é a opinião de um especialista (à qual me filio por achar bastante razoável), mas todos devem ouvir e sopesar outros profissionais (se assim entenderem), sendo livres para aderirem à corrente que consideram a melhor para os seus próprios interesses.
 
De todo modo, trouxe-vos a matéria que o Nutricionista e Engenheiro Alimentar Alexandre Fernandes gentilmente me cedeu para publicação “nos meus alfarrábios” e com isto espero poder ajudar-vos na tomada de vossas próprias decisões. Alexandre Fernandes, a par da sua atividade clínica, é autor de vários livros sobre saúde e nutrição, sendo um dos que mais gosto (e que recomendo vivamente) «Cascas, talos, folhas e outros tesouros nutricionais», Lisboa: Planeta, 2012. Para mais informações consulte o site do Autor,também no Facebook.
 
 
“«Evite o leite… pela sua saúde!», já a primeira palavra, “Evite”, diz tudo. O evitar significa não procurar/impedir. Logo, não significa proibir ou não beber. E sabem por quê? Porque um dia mais tarde quem escreveu este artigo sentir-se-á protegido, ou seja, poderá dizer que nunca escreveu “proibir”, mas sim “evitar”. Isto é, pode-se beber regularmente, mas não diariamente…
E que culpa tem o consumidor de comprar leite cheio de antibióticos, hormonas, aditivos e outras coisas mais? O consumidor não tem culpa, mas tem o dever de exigir um melhor controlo de qualidade, assim como as entidades competentes têm o dever de penalizar severamente o produtor quando detetam estas situações. Isto porque é a saúde pública que está em jogo.
Por outro lado, se ingerirmos laticínios magros o problema da gordura saturada e levantado por Harvard já não se colocaria, assim como reduzir-se-ia a possibilidade de continuarem a existir componentes químicos se os consumidores fizessem um boicote à compra de laticínios de um determinado produtor, por exemplo.
Mas o artigo diz que os laticínios devem ser substituídos por legumes verdes. No entanto, segundo relatório divulgado pela EFSA, Portugal é um dos países europeus com maior incidência de excesso de pesticidas nos alimentos. Então, pergunto, o que é que vamos comer? Embora a agricultura biológica seja uma opção, não devemos esquecer os seus custos, e ainda mais grave, esses alimentos podem ser contaminados com pesticidas lançados através do vento ou pela água (lençóis freáticos), o que passa a ser um outro problema.
E em outra pesquisa, os investigadores do Albert Einstein College of Medicine, no Bronx, associam o aumento significativo das alergias ao aumento do uso de subprodutos do cloro. O cloro está presente na água canalizada, então vai fazer parte da nossa alimentação quando estivermos a preparar e a lavar os legumes verdes (e outros alimentos) para as nossas refeições.
Para além de todo o exposto, a soja que normalmente é ingerida provém de uma soja transgénica, ou seja, que é modificada geneticamente para determinados fins (tal como o milho - as pipocas). Atualmente, não se sabe quais serão as implicações na saúde humana a longo prazo, mas cada vez mais estão a ser publicados estudos que referem que a soja (as isoflavonas) provoca várias doenças, como bloqueio endócrino, supressão da tiroide, supressão do sistema imune, supressão da produção do esperma, quebra de ADN (DNA) e incidência aumentada de leucemia, cancro (câncer) de mama e de cólon, infertilidade, problemas de crescimento e mudanças sutis no comportamento do dimorfismo sexual. Razão pela qual os Endocrinologistas há muito vêm recomendando a eliminação da soja e dos seus derivados da alimentação. Então, o que é que vamos comer?
Voltando à questão da água e de lavarmos os legumes verdes e outros alimentos, ainda há uma pesquisa que atesta que o flúor é altamente tóxico, estando relacionado com um grande número de doenças físicas e mentais. Segundo estudos publicados recentemente, mesmo pequenas quantidades de flúor consumido na água canalizada pode danificar os ossos, dentes, cérebro, causar problemas de tiroide, reduzir o QI e causar cancro (câncer). Resumindo, o que é que vamos mesmo comer?
Concluo, portanto, que a população deve e tem que ser informada sobre o que se passa com a sua alimentação e quem não cumpre a lei e o código de controlo e de segurança alimentar deve ser punido. Sempre digo que devemos comer com peso, conta e medida. Se hoje bebo um copo de leite, amanhã posso beber uma chávena de infusão de camomila. O mais importante é variar a alimentação e termos prazer em comer aquilo que mais gostamos”.

terça-feira, 23 de abril de 2013

Homenagem a Monteiro Lobato no Dia Mundial do Livro: "O Grito da Mula-sem-cabeça", por Luís Cabral de Oliveira

Dadas as festividades do mês de Abril e o próprio significado do nome “alfarrábios”, não poderia ser em outro mês o nascimento deste blogue! Isto porque é neste mês que se comemora o Dia Mundial do Livro Infantil (2 de Abril), o Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor (23 de Abril) e no Brasil, ainda, o Dia Nacional do Livro Infantil, em homenagem ao nascimento de Monteiro Lobato a 18 de Abril (1882). Portanto, sendo o mês de Abril dedicado ao livro, “nos meus alfarrábios” já nasceu embalado pelos deuses literários, o que é sem dúvida um excelente presságio!
 
A outra boa notícia é que, para comemorar o Dia Mundial do Livro, a Livraria Wook devolve 100% do valor dos livros comprados através do seu site. É uma campanha imperdível para os amantes da leitura e válida somente hoje, por isso, aproveitem!
 
Por cá, o escolhido para ser homenageado, entre tantos neste universo encantado dos livros, foi o grande escritor brasileiro José Bento Monteiro Lobato. E isto se justifica, desde já pelo acervo de grande valor do Autor, como a coleção «O Sítio do Pica-pau Amarelo» (1920), com mais de 30 livros que até hoje nos fascina a todos. Além disso, Monteiro Lobato foi um dos maiores incentivadores da leitura e será para sempre recordado pelas suas frases célebres, como “Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”, ou ainda, “”Um país se faz com homens e livros”.
 
Contudo, lamentavelmente, o Brasil que homenageia o seu ilustre filho dedicando-lhe o Dia Nacional do Livro Infantil (Lei nº 10.402, de 8 de Janeiro de 2002) é o mesmo que pretende retirar a sua obra «Caçadas de Pedrinho» (1933) do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBB), acusando-a de possuir elementos racistas.
 
A polêmica ainda não foi encerrada, terminando sem consenso a audiência de conciliação realizada no Supremo Tribunal Federal (STF) em Setembro do ano passado. De positivo, o Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (IARA) desistiu de pedir a proibição da adoção dos livros de Monteiro Lobato e o Ministério da Educação e Cultura (MEC) solicitou à editora a inserção de texto nos novos exemplares em que se explica e contextualiza a obra, assegurando a qualificação dos docentes para o efeito. Mas o IARA mesmo assim considera as providências insuficientes.
 
O debate, verdadeiramente, é um escárnio na cultura e na história intelectual brasileira! Não é excluindo os livros de Monteiro Lobato (há um outro em discussão, «Negrinha», de 1920) que se erradica o problema racial no Brasil, mas antes pelo contrário, utilizando-os para combate-lo, de forma adequada, identificando as diversas formas de racismo ainda existentes, através da mediação do professor.
 
Isto também foi sentido, de forma comovida, por Luís Cabral de Oliveira, colega de doutoramento, amante dos livros e da história da colonização portuguesa. O Luís tem um blogue que eu simplesmente adoro (e sou seguidora) e que tem um nome muito peculiar: «Prazos do Serrazim». Explicou-me que a escolha deve-se ao nome de uma propriedade do avô, localizada nos arredores de Coimbra (Poiares).
 
O Luís é de todo um historiador! Enquanto vai-e-vem à Goa nos conta histórias magníficas, como “O Grito da Mula-sem-cabeça”, que começa pela história da sua própria família, desde a avó Joaninha. E eu, leitora, desejei imensamente ter conhecido esta Senhora ancestral do Luís, pelo simples fato de ter sentido a sua força vibrante transmitida através de tantas gerações e que o Luís tão bem soube narrar! Silenciosamente, fiz votos para que minhas filhas saibam passar adiante, da mesma forma tão bela, os ensinamentos e orgulho que sinto em ser e me manter brasileira, com tudo o que isto implica. Não é para isto que serve a leitura, para nos transportar através do tempo?
 
Melhor é ler o texto do Luís, a quem reporto-me nesta homenagem a Monteiro Lobato. Sei que saberão perceber a razão para além desta homenagem, aquela que tocou meu coração e que partiu de um português orgulhoso de sua ascendência brasileira lá nos confins, em defesa do que é “nosso”. Senti, de repente, que tudo era uma coisa só!
 
Sem mais, corram ao Prazos do Serrazim e leiam “O Grito da Mula-sem-cabeça”, postado em 13 de Setembro de 2012.  

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A visita da D. Mentirinha

Passou-se uma semana, um susto, algumas horas de reflexão e finalmente estou refeita, de modo que já posso partilhar o assunto. Não riam, mas quem me conhece sabe o quanto a mentira me apavora, é sempre um reviver de coisas desagradáveis quando “a tal” me bate à porta! Foi então com um certo espanto que eu recebi a notícia da visita da D. Mentirinha.
 
Como devem imaginar, a personagem principal desta história é a Malu, a minha primogênita em idade pré-escolar. Para ser justa, tenho de ressalvar que a Malu normalmente é muito bem comportada e, afora o fato de ultimamente não querer falar às pessoas (deixando a mim e ao pai desconcertados!), é uma criança meiga e tranquila. Mas naquele dia a Malu surpreendeu-nos a todos! Acusou injustamente um colega de classe de ter sido o autor dos rabiscos na mesa e, em ricochete, ficou sem direito ao saco surpresa do aniversariante do dia. O que de pior lhe poderia acontecer, se aquele recipiente continha o melhor e mais bonito caderno da Pucca que há no mundo?
 
Eu quis relativizar, visto o drama em que me meti. Daí que, primeiro expliquei-lhe a gravidade da situação, com a minha conversa maternal politicamente correta, e em seguida saí com esta: “A mãe também mentiu quando tinha 5 anos e também foi punida por isso, mas sempre que a mãe fazia alguma coisa parva, tentava aprender e não voltar mais a errar”.
 
Promessas feitas e juras sacramentadas, a vida voltou ao normal. Até que, passados alguns dias, a Malu foi outra vez apanhada pelo detetor de mentiras. Não deu outra: ficou sem direito aos cromos da caderneta da Monster High, nova coqueluche na escola. E quem disse que vida de criança é fácil? Mais dramas, mais lágrimas e um desenho onde a mãe aparece  ao seu lado, mas com os cabelos arrepiados?! O mistério somente foi desvendado pela Mariana, sua amiga preferida: "Foi porque não lhe compraste os cromos da Monster High!". Oh, vida!
 
É claro que nem sempre tenho esta paz de espírito, de modo que foi com alegria que constatei que a mentira faz parte do crescimento saudável das crianças entre os 3 e os 7 anos de idade, já que nessa altura não dissociam muito bem a fantasia da realidade. Com efeito, são levadas a mentir normalmente para ocultar uma ação reprovável ou fugir da responsabilidade. Os psicólogos, via de regra, afirmam que desde que este comportamento não continue a se repetir em idade mais avançada, não é considerado um problema. Após os 10 anos, no entanto, poderá depender de um diagnóstico em consultório, mas em todo o caso a “mitomania” tem tratamento (graças a Deus!), que pode durar até dois anos.
 
Portanto, folgo em saber que está tudo sob controlo, mas é com desagrado que vos comunico que a mentira perambula lá por casa, serelepe e faceira! 

sábado, 20 de abril de 2013

Joana Vasconcelos no Palácio Nacional da Ajuda

Adoro Lisboa, Lisboa fascina-me! Desde a história viva em sua arquitetura, resistente ao tempo, ao fado, o multiculturalismo do Chiado, os monumentos de Belém, o cheiro, o Tejo, tudo em Lisboa é grandioso, retrata bem o espírito do povo que, de tão curioso e valente, lançou-se além dos limites de um país tão pequeno (territorialmente) e expandiu-se… Até hoje Portugal expande-se, incansável, através do povo, valente e curioso!
 
E é este espírito lusitano exuberante e orgulhoso que se vê na maior exposição individual da artista plástica Joana Vasconcelos no Palácio Nacional da Ajuda, depois de expor no Palácio de Versalhes, naquela que foi a mais vista dos últimos 50 anos.
 
Vale imensamente a pena visitar, a começar pelos gigantes pares de sapatos criados a partir de tampas e panelas portuguesas numa alusão da artista à dualidade feminina, batizada por “Marilyn”, à obra “A Noiva”, um lustre criado com tampões higiénicos (absorvente interno "ob").
 
Edificado na primeira metade do século XIX, o Palácio da Ajuda foi a residência oficial da monarquia portuguesa até a instauração da República. A exposição da Joana Vasconcelos é imperdível, não só pelas obras da artista, como também pela visita ao Palácio. É sem dúvida o encontro mais harmonioso, visto entre o antigo e o contemporâneo!
 
A exposição vai até 25 de Agosto de 2013, todos os dias (exceto quartas-feiras), das 10h00 às 19h00, aos sábados até às 21h00. Os bilhetes custam 5€ (dos 6 aos 18 anos, estudantes até aos 25 anos e maiores de 65 anos), 10€ (adulto), 20€ (2 adultos + 1 criança) e 24€ (2 adultos + 2 crianças).
 
Portanto, o que vos posso mais dizer? Aproveitem o sol que finalmente brilha, saiam de casa, andem a pé e ponham a alma para quarar, dando luz ao corpo e arte aos olhos.


quinta-feira, 18 de abril de 2013

"Cheiro de mãe", por Gilda Hopffer

Esses dias, emocionei-me com a deliciosa narrativa da Gilda Hopffer, cearense residente em Portugal, jornalista, casada e mãe de 4 filhos.
 
A Gilda poderia ser a Paula, a Joana, a Filipa, a Susana… é uma mulher que, como tantas outras, também se perde no horizonte de tarefas que uma mãe tem de desempenhar, de ser e de se lembrar. A Gilda poderia ser o João, o Paulo, o Pedro, o José…
 
O que fez a Gilda ser "diferente" foi a descoberta de que exala um cheiro “redondo” logo de manhã, que deixa impregnado de amor o quarto do filho. Lembrei-me que para a Malu eu sou “quentinha”! E de repente ocorreu-me que todos nós somos de alguma forma únicos para os nossos filhos, temos qualquer coisa que nos identifica, e ri da forma como as crianças docemente percecionam e traduzem a sensação de segurança e conforto que lhes transmitimos!
 
Vamos deixando nossos rastros pela casa, cheiros e pegadas, ao alvedrio de nossa alma.
 
Sem mais, leiam a Gilda Hopffer: 

“Cheiro de Mãe
Eu andava pela casa, um bocado à pressa a observar tudo à volta, tentando examinar se não estava a esquecer de nada. Viajar com uma tropa de crianças é sempre caótico, pelo menos para mim, que as vezes perco a orientação inicial e sigo uma bifurcação qualquer que surge a meio do caminho. Mas, pronto, nesse meu “para lá e para cá” eis que Joãozinho irrompe com uma:
_ Já vi que vais mesmo sair, mãe!
_ Claro filho, vamos sair todos, mas por que dizes isso?
_ Porque sempre que vais sair tens esse cheiro! 
E aquilo era verdade, há anos que venho sendo fiel ao mesmo perfume e a algumas rotinas! Assim, vou deixando pegadas do meu cheiro. Não resisti à constatação do Joãozinho e instiguei:
_ Mas e quando a mãe não vai sair, que cheiro é que a mãe tem?
_ Muitos outros... tem cheiro da Clarinha, tem cheiro de bolo de laranja, de papa, de sopa, tem cheiro de roupa lavada, de champô e daquelas coisas que tu pões na cara!
_ Mas de que cheiro tu gostas mais?
_ Gosto daquele cheiro que tens quando me vais buscar à cama de manhã.
Fiquei pensando que cheiro seria aquele!
_ Tas a falar do cheiro da pasta de dentes?
_ Não, mãe, é um cheiro "redondo", que é aquele cheiro de mãe quando acorda. 
Sem mais explicações, Joãozinho agarrou no seu brinquedo e correu para o carro, deixando-me ali a sorrir sozinha. E eu não sabia, nem tão pouco entendia, que mães têm cheiro, aliás têm cheiros, que somente são sentidos pelo apurado senso de pureza das crianças. Fiquei enternecida e ali parada, acabei por voltar ao mundo real com um grito de “estamos atrasados” que ecoava lá da garagem. Despachei-me e fui a correr para colar todos às cadeirinhas e colar-me também a mim no banco do carro. Suspirei e disse “vamos embora” e de repente senti um cheiro de mãe que esquecia alguma coisa, mas como sempre, só ia lembrar da tal coisa, quando fosse já tarde demais – cheirava-me enfim que tudo valia a pena!”

quarta-feira, 17 de abril de 2013

"Não" não é "talvez", "não" não é a brincar: um basta a violência sexual!

Há alguns dias a imprensa tem chacoalhado notícias e imagens da investida do diretor de teatro Gerald Thomas contra a repórter Nicole Bahls do programa Pânico na TV (Band, Brasil). Segundo relatos, Gerald tentou apalpar a repórter pondo-lhe as mãos por baixo das saias, contra a sua vontade.
 
Daí por diante, há pelo menos a versão que diz que o ato é claramente de violência sexual e outra que sustenta que tudo não passou de uma brincadeira adequada ao tipo de programa televisivo, o que é corroborado pelos seus próprios integrantes.
 
Pelas cenas, é difícil perceber se houve um dissenso explícito por parte de Nicole ou se efetivamente encarou a situação de forma lúdica, ainda que tenha sido surpreendida pelo gesto de Gerald. Assim, como a sua vontade pode alterar toda a contextualização do episódio, acaba por ser desnecessário alargar os comentários que já existem e circulam nas redes de comunicação social.
 
Mas como uma coisa puxa a outra, as notícias vão nos recordando os inúmeros casos de violência sexual, mediáticos ou não, contra mulheres, homens e crianças. Um deles é o da jovem canadense Rehtaeh Parsons, que aos 15 anos foi violentada por quatro colegas de classe, cujas imagens fizeram circular através da internet. Rehtaeh Parsons mudou-se de escola e internou-se numa instituição de saúde para tratamento da depressão, da raiva e da dor. A polícia nunca concluiu pela acusação e posterior julgamento dos agressores, por falta de provas. No último dia 4 de Abril, Rehtaeh Parsons, com 17 anos, enforcou-se em sua própria casa. Três dias depois os seus pais autorizaram o desligamento dos aparelhos de suporte vital, fazendo valer a sua vontade.
 
Rehtaeh Parsons foi vítima de violação sexual (estupro) e bullying, poderia ser um de nós, poderia ser nossa filha. Por isto e não só, é muito importante lutarmos contra a cultura da violência e contra a impunidade que cerca os crimes dessa espécie. A melhor forma de o fazer é já através de medidas preventivas e educativas, a começar pela nossa casa e estendendo-se pelas escolas, comunidade e finalmente fazendo ecoar nas redes sociais o nosso grito de protesto.
 
Mães e pais, tios e tias, avôs e avós… vamos todos ensinar aos nossos meninos e meninas a tratarem-se com respeito e a desde cedo compreenderem o significado do “não”. “Não” é muitas vezes a primeira palavra que uma criança aprende a falar, pois que o “não” separa-nos, é o início da consciência que temos de nós mesmos e de nossa cidadania. “Não” derruba Impérios, afasta governantes e veta projetos. “Não” não é “talvez”, “não” não é a brincar! 

terça-feira, 16 de abril de 2013

"Gosto de ti assim", por Marta Gautier

Imaginem uma sala acolhedora, cercada de estantes repletas de livros e uma grande mesa ao centro, onde nos dispomos a conversar enquanto bebericamos um delicioso chá com biscoitos. Ou então, imaginem um lindo jardim de relva fresquinha, com espaço suficiente para as crianças brincarem enquanto preparamos um piquenique e aquecemos ao sol os nossos pensamentos. Agora, imaginem tudo isso, também quando estamos sós ou na companhia de um bom livro. Sendo o caso, sugiro a leitura da psicóloga Marta Gautier, «Gosto de ti assim», Lisboa: Editora Objectiva, 2011, que descobri no verão passado e, sinceramente, me ajudou a ser mais paciente comigo, a exigir menos de mim e a me desculpar quando não sou aquilo que esperam. É um livro que se classifica como de autoajuda, de leitura fácil e cativante, desses que lemos de uma só vez.
 
Pode ser adquirido pela Internet, mas também está a venda mais ou menos nos locais habituais, ao preço médio de € 15,00. Confiram a sinopse:
 
Sinopse: "Estas páginas encerram o diário de uma mulher. São 30 dias na vida de uma mulher tão especial e tão comum como todas as outras. Espreitamos aqui a sua intimidade e vemo-la jurar que nunca mais grita, e a gritar no minuto seguinte. A ser vencida pelo stress do dia-a-dia, e a enfrentar serenamente provações triviais. A debater-se com a culpa, com a dificuldade de se entregar e de gostar de si. A renunciar à personalidade e à vontade própria para agradar aos outros, e a fazer só que lhe apetece, porque a sua vontade está em primeiro lugar. A desesperar com a complexidade da sua relação com o marido e os filhos, e a aprender a gostar de si e dos outros assim mesmo. A confrontar os fantasmas do passado, e a contemplar a possibilidade de um futuro feliz. E percebemos então que é possível que aquilo que gostaríamos de ser, seja muito menos e não chegue sequer aos calcanhares do que somos realmente. O segredo descobre-se quando paramos de tentar ser uma pessoa diferente. O que somos, exatamente o que somos é sempre melhor do que julgamos. E chega perfeitamente".

segunda-feira, 15 de abril de 2013

A monotonia do casamento (pra não dizer que não falei das flores)

(Ao meu marido, que me entende, me ampara e me acompanha, mesmo que às vezes de longe!)
 
Estou bastante feliz com a aceitação do blogue por um número cada vez maior de pessoas que vêm espreitar e dizer que se reveem nas histórias que aqui vou contando. Sinto-me menos só nesse universo de indecisões e decisões, acertadas ou não, apressadas ou não e muitas vezes aos solavancos! Talvez a boa receção deva-se ao fato de eu ser uma pensadora incorrigível, passo o tempo todo a pensar no que me ocorre, no que ouço, no que falo, no que vejo, no que leio… algumas vezes a apreender, outras a sofrer. Mas é exatamente isto que sacia a necessidade que sinto de quebrar rotinas, não há rotinas em meus pensamentos! Contudo, vou pausando a solidão e o silêncio necessário para o meu trabalho, além de ir verificando se o que faço é útil de uma forma mais efetiva.
 
Esta constatação me levou a pensar numa conversa interessantíssima que tive com um amigo. Falávamos sobre a monotonia do casamento, o que não deixa de ser verdade, ainda mais quando se tem filhos pequenos. Já repararam na logística que pode implicar uma simples ida ao cinema? Às vezes mais vale pedir uma pizza e se refestelar no sofá a assistir um “filminho”!
 
É por isso que tantas vezes o amor se esvai consumido pela rotina, para lá na frente reacender (ou não!), fascinado por uma nova e estimulante descoberta a dois, até que o cotidiano vem demonstrar que a monotonia do casamento nada tem a ver com o comportamento daquele que a convivência nos ensina a prever tão bem! A própria otimização das inúmeras tarefas do dia-a-dia de uma família requer previsibilidade.
 
Acredito firmemente que o casamento não pode se sustentar só no amor. É, aliás, impossível estar casado sem se gostar de estar casado. Há outras coisas que todos nós sabemos sobre a importância da conquista, a intimidade preservada, a liberdade consentida, o respeito recíproco, etc. Tudo isto é verdade e é legítimo, mas sobretudo, há que se sentir bem com o casamento, que ter vontade de voltar para casa mesmo que seja para “o mesmo de sempre”, que tomar isto a peito e defender o casamento de nossas próprias insatisfações. Isto é, se gostamos e queremos estar casados, temos que pôr o casamento a salvo de nós mesmos. E depois disto tudo, ainda é preciso ter um bocado de sorte! 

sexta-feira, 12 de abril de 2013

O Bolo de Caneca: Cozinha gourmet para crianças e totós

A Beatriz Lima, a quem tratamos carinhosamente por Bia, além de ser uma pessoa muito querida, é prendadíssima! É raro encontrar tanta qualidade em alguém, mas a Bia (acreditem!) é estudiosa, criativa, viajada, adora crianças, toca piano e guitarra, canta e sabe cozinhar. Além de ser bonita, que chatice! E Blogger! 
 
E foi a Bia quem descobriu a receita do Bolo de Caneca que vos trago. Os mais céticos estarão perguntando: “Um bolo? Na caneca? Em 5 minutos?”. Mas, vindo da Bia, só poderia ser verdade! Por isto mesmo, lá fui eu (a totó) e a Malu (le petit chef) para a cozinha preparar a sobremesa para o jantar:
 
Ingredientes
1 ovo pequeno
4 colheres (sopa) de leite
4 colheres (sopa) de óleo
2 colheres (sopa) rasas de chocolate em pó, de preferência meio amargo
4 colheres (sopa) rasas de farinha de trigo
4 colheres (sopa) rasas de açúcar
1 colher (chá) rasa de fermento em pó
 
Modo de fazer
Verter o ovo (gema e clara) na própria caneca e misturar (bater) bem com um garfo. Em seguida, acrescentar o óleo, o açúcar, o leite e o chocolate e continuar misturando bem. Por último, acrescentar a farinha de trigo e o fermento e misturar delicadamente, até estar a massa homogénea. Levar ao micro-ondas por 3 minutos na temperatura alta.
 
Observação
Utilizar uma caneca grande ou então dividir em duas canecas médias.
 
Servir imediatamente, decorado com calda de chocolate. É uma boa dica para o lanche das crianças, rápido e mesmo fácil de preparar, além de adorarem a aula de culinária! 

quinta-feira, 11 de abril de 2013

"Já posso sair do castigo?"

Depois de minha experiência não muito bem sucedida com os manuais e o sono das crianças, abandonei-os de vez (não que não resultem, mas antes por opção). Leio um livro ou outro com qual título me identifico – estou a ler Eduardo Sá, «Más Maneiras de Sermos Bons Pais», Alfragide: Oficina do Livro, 2008 –, mais para distrair, para descomprimir dos pesados e sisudos livros jurídicos que me acompanham. Normalmente o faço “depois que a casa dorme”, como costumo dizer.

Às vezes, nesses momentos que me dedico, revejo o dia e questiono-me sobre os meus papéis, as minhas atitudes e as dos outros perante mim. Às vezes perco o sono, às vezes não encontro respostas para as inúmeras questões que me coloco, às vezes sou cruel comigo e me ponho de castigo. 
 
Isso do castigo é para já uma coisa que me aflige! Como disse, há tempos desisti das respostas prontas e desde que assumi seguir as minhas intuições, de fato sou uma pessoa mais tranquila, mas fico sempre em dúvida quando se trata da disciplina com as crianças. Entendam, eu tenho lá em casa uma inquiridora com apenas 5 anos, que sabe-se lá a quem saiu, conhece bem os seus direitos infantis! É muito comum ouvi-la bradar: “Mas eu não sou obrigada a gostar das couves!” (e tem razão!), ou então, “Por que é que a mãe sempre manda?”. Explico-lhe, com o meu discurso proativo, que a mãe não manda, a mãe educa, para o seu próprio bem, o que é bem diferente. Mas a verdade é que a mãe também manda!
 
Nessas ocasiões me imponho algum rigor para não ser deliberadamente ditadora, não sendo complacente. O que não é fácil, sobretudo quando não tenho respostas a dar às reclamações de uma revolucionária-mirim!
 
Assim, vou mais ou menos levando as coisas de forma consensual, especializei-me em negociações, mas vez por outra “passo-me”, literalmente. Ontem, passei-me. E apliquei a penalidade máxima: o castigo.
 
Agora me digam, quanto tempo deve durar um castigo? Faço-me sempre esta pergunta e até hoje não encontrei a solução. Os tais manuais falam em “moderação” e pregam que os castigos devem ser aplicados com os "pais serenos", eu tenho sempre vontade de rir quando leio estas regras de ouro! Com a minha visão positivista, fico pensando se não seria mais fácil se tivéssemos um Código Disciplinar Doméstico, com a sanção cominada a cada crime e os critérios de dosimetria da pena. De modo que já não me enrolaria quando a infratora gritasse: “Já posso sair do castigo?”. E eu, muito atrapalhada, tivesse de sentenciar: “Ainda não!?”. Mas, qual a medida exata do castigo? O certo é que ficamos, nós as duas, de castigo.
 

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Dois pesos e duas medidas: Direito de nascer vs. direito de não procriar

Abri a minha caixa de Pandora e tirei de lá o meu objeto de estudo mais precioso: a liberdade da mulher decidir sobre o seu próprio corpo e, nesta medida, continuar ou não uma gravidez indesejada.

Como imaginam, são inúmeros os estudos acerca desta matéria, mas vou-me cingir unicamente ao aspeto jurídico (baseada em realidade empírica) que legitima a interrupção voluntária da gravidez em dadas situações.

A intenção é fazer com que todos que leiam este texto – principalmente as pessoas leigas no assunto – possam ter uma pequena noção dos motivos que levam a que abortar uma gestação em certas hipóteses não seja considerada uma conduta criminosa (pese embora, em alguns casos, possa ser moralmente reprovável).

Partindo da definição do próprio crime de aborto, que exige para a sua configuração a existência de vida humana intrauterina, a morte do feto deve resultar dos atos abortivos empregados. Ou seja, é preciso que haja uma gravidez em curso com a inequívoca existência de feto vivo ou ao menos com potencialidade de vida extrauterina.

De modo que o abortamento é punido em nome da frustração da potencial expectativa de surgimento de uma pessoa, consequentemente, reconhece-se ao feto um direito autónomo a nascer, completamente desvinculado do direito que tem a mãe de trazê-lo ao mundo.

No entanto, as coisas começam a complicar quando, juridicamente, não se reconhece o concepto como uma “pessoa” ou sujeito de direitos, condição que só adquire no momento do nascimento completo e com vida. Daí porque não goze plenamente do direito à vida enquanto direito fundamental.
 
Ou seja, o embrião não é pessoa, não tem personalidade jurídica no sentido do termo, razão pela qual não é titular de direitos fundamentais subjetivados, estes somente conferidos às pessoas. É titular de direitos constitucionalmente protegidos, mas não enquanto pessoa já nascida, de modo que não pode gozar da mesma proteção atribuída a esta.

Com efeito, sempre que haja conflito de interesses entre a mãe e o feto, seja entre bens ou entre direitos fundamentais, é assegurado à mulher a prevalência dos seus interesses. Neste sentido é o Acórdão nº 25/84, de 19 de Março de 1984, e o Acórdão nº 85/85, de 29 de Maio de 1985, ambos do Tribunal Constitucional (TC) português, que podem ser consultados no site do TC.

Essencialmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro não se distancia dessa ideia central ao declarar a constitucionalidade da interrupção voluntária da gravidez de feto portador de anencefalia. Em suma, o STF entende que falta ao anencéfalo a potencialidade de vida humana ou a expectativa do surgimento de uma pessoa, sendo a conduta, no caso, claramente destinada a resolver uma situação de dor e sofrimento da mulher. O Acórdão está disponível para consulta no site do STF.

Devo dizer, como mãe, que a interrupção voluntária da gravidez não é uma conduta aconselhável, nem defendida sem mais, mas como cientista tenho de reconhecer que este direito não pode ser negado para aquelas mulheres que, devidamente informadas, decidam pelo abortamento de uma gestação.

As preocupações em torno das causas sociais do abortamento não são recentes, estando na maioria das vezes ligadas à miséria, ao desemprego, à falta de auxílio estatal e encorajamento à maternidade consciente, etc. Na realidade, uma mulher decidida a abortar fá-lo-á em qualquer circunstância, muitas vezes sob condições precárias e sem estar devidamente acompanhada por um profissional de saúde. E outra vez, as mais prejudicadas são as mulheres socioeconomicamente menos favorecidas, já que não têm meios de recorrer às clínicas privadas para a realização do procedimento com o sigilo exigido pela ilegalidade da conduta e com um padrão de qualidade aceitável.

É preciso enfrentar o assunto sem preconceitos e reconhecer definitivamente a ineficácia da lei penal como meio repressor do delito. Aliás, o único efeito verdadeiramente constatado é o de tornar clandestino o abortamento.

Assim, acredito que a legalização da prática abortiva com a observância de determinadas condições é a medida que melhor atende os diversos interesses em questão, devendo integrar a política de saúde de todo Estado comprometido com os problemas sociais da população. Por outro lado, a exequibilidade da lei deve ser assegurada com vista à redução do número de abortamentos e como resultado de uma política de natalidade eficaz e bem planeada.

Para saber mais sobre a minha opinião, vejam o ensaio «Entre a Mulher e o Feto: A interrupção voluntária da gravidez no Brasil», publicado em 13-02-2013 na rubrica Pontos de Vista, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, disponível em formato eletrónico.
 

segunda-feira, 8 de abril de 2013

"Onde dorme um português, dormem dois ou três"

Esta frase não é minha, é qualquer coisa originária de um provérbio popular que o meu marido, bem-humorado, adaptou à nossa realidade - e que define muito bem o seu sentimento diante da suposta “cama do casal”. Me enchi de coragem e decidi contar esta história porque penso que, de alguma forma, posso aliviar o coração de muitas mães que, como eu, sucumbiram ao cansaço.
 
Eu fui uma dessas mães primíparas que devoram manuais e revistas especializadas em desenvolvimento infantil, à semelhança de quem está prestes a adquirir um novo veículo e quer saber detalhes sobre o desempenho do motor, consumo, parte elétrica, mecânica, etc. Porém, convicta que tinha tudo mais que estudado e revisado, eis que me nasce a Malu, completamente avessa a todas as minhas expectativas.
 
A Maluzinha, tão pequenina, veio com as cordas vocais no volume máximo, era desesperador! E, pior do que isso, não se calava, não sabia mamar, não dormia, não aceitava biberão (mamadeira) e muito menos chucha (chupeta). Tinha que ser minha filha! Para minimizar o meu estado anímico, dizia para mim mesma: “Tenha calma, cada um tem o filho que merece!”. A minha mãe, com a sensibilidade que lhe é peculiar, arrematava: “Você era igualzinha!”, do gênero, “Portanto, aguente!”. O resultado era previsível, ou seja, a mãe, que sempre fora tão independente, estava de rastos, à beira de um colapso. Lembro-me de em prantos desabafar com a minha amiga Alice Lisboa: “Lilica, ela parece um rabinho, está sempre atrás de mim!”.
 
Mas o fato é que, junto com o filho, nasce o tal “amor materno” e aqueles pequenos olhos aflitos foram aos poucos me fazendo entender que a minha sonhada e planeada bebé precisava mais de mim do que o normal! Foi assim que me tornei para sempre cúmplice da Malu, tendo intuitivamente percebido que tinha ali uma filha cujos manuais não descreveram fidedignamente, restando a nós sobreviver.
 
Muitos dias e noites após, em nome da manutenção da família, decidimos nos render e levar a Malu para a “nossa” cama. Reconheço que, por sorte, não tenho um marido muito convencional! Estou certa também que Deus não desampara os fracos e oprimidos, de modo que vejo como outro golpe de sorte o fato de termos ido parar nas mãos do Pediatra que considero o mais humano, mais sensível e mais competente de todo Portugal. Assim, o Dr. J. Guimarães, com a sua calma e sapiência, apenas nos perguntou: “Os pais estão bem? Então a criança está bem”. Tive imensa vontade de abraçar o Dr. J. Guimarães, mas fui contida pela formalidade lusitana que já entranhei!
 
E atrás da Malu veio a Eva! Quem tem mais de um filho sabe bem do que estou a falar, é tendencial que os mais novos copiem as atitudes dos mais velhos. Portanto, impreterivelmente, amanhecemos os quatro na “cama do casal”. Como “em time que ganha não se mexe”, o Pediatra é o mesmo e os pais estão bem, as crianças estão bem, obrigada!
 
Decididamente, os manuais não vigoram lá em casa, o que não impediu que aos poucos fossemos estabelecendo nossas próprias regras de convivência num ambiente mais ou menos democrático (há uma Chefe de Estado não tirânica mas com pulso semelhante à Angela Merkel), sendo entretanto perentório: “Regra Geral: A noite começa cada um na sua respetiva cama. Exceção à regra: Está liberada a cama da mãe, caso alguma infanta acorde no meio da noite”. Claro que, dia sim, dia sim, amanhecemos todos na “nossa" cama.
 
Isto tudo para vos dizer que, apesar de parecer absurdo, esta situação não é incomum. A partilha do sono (ou co-sleeping, na terminologia anglo-saxã) é uma prática cada vez mais corrente na família ocidental, tanto que o conhecido médico norte-americano Richard Ferber, especialista no sono pediátrico, recentemente se retratou relativamente ao posicionamento que defendia que as crianças deveriam aprender a dormir sozinhas para se sentirem independentes, vindo agora a esclarecer que este era um pensamento que dominava na altura, mas que as coisas mudam e, “desde que resulte”, cada família sabe o que é mais adequado à sua rotina de sono. Vejam, com interesse, o artigo publicado na revista Pais e Filhos.
 
De modo que, como veem, afetuosos que somos brincamos com a nossa situação, mas ainda assim, estou a caminho de convencer o Zé a trocarmos a "nossa" cama por uma King Size!
 

sexta-feira, 5 de abril de 2013

O Bolo de Ovomaltine: História e Receita

(N. Sra. da Dieta, perdoai a nossa gula!)
 
Hoje a Eva completa 18 meses e em casa brasileira isto é motivo para comemoração. Logo, de bolinho, vela, “parabéns para você” e muitos vivas e beijinhos! Confesso que também é um pretexto para excecionalmente liberar o Bolo de Ovomaltine das minhas restrições alimentares. Sim, porque o Bolo de Ovomaltine não é um qualquer bolo, é “o bolo”! Claro que, como tal, tem também a sua história, que vos passo a contar:
 
Há muitos e muitos anos atrás, muito antes de eu conhecer o Bolo de Ovomaltine que mudou para sempre a minha conceção de “bolo de chocolate”, eu conheci a minha amiga Déa Avelar. Foi precisamente em 1992, no início do Curso de Direito que, coincidências à parte, tirávamos na terra do cacau (UESC, Ilhéus, Bahia). O meu encontro com Déa foi um encontro de almas, não éramos simplesmente amigas, éramos irmãs. Tanto que esta amizade culminou em que nos tornássemos comadres, tendo Déa, juntamente com um dos meus anjos da guarda (Ana Cristina Magalhães), batizado a minha primeira filha.
 
Mas como acontece com todas as boas amigas, às vezes apetece-me bater em Déa! Explico: para além de ser a pessoa mais otimista que eu conheço, de sorriso que enche uma sala inteira, Déa também é a pessoa mais abusada que há ao cimo da terra (minha outra irmã de caminhada, Beth Medauar, não me deixa mentir!). Cansa-nos com suas esquisitices e com o fato de achar-se o ser mais especial do mundo (apesar do seu enorme coração que, só por isso, lhe faria jus ao título), de modo que somente a perdoo por ter lá em casa uma Deusa chamada Céia.
 
Céia é daquelas pessoas que reina discretamente, é omnipresente, quase insubstituível (para o desespero de meu compadre Ricardo Avelar). E foi a bendita Céia que, acho eu, inventou a porção mágica do Bolo de Ovomaltine, após diversas experiências que resultaram numa combinação perfeita! Sabendo disto, e depois de ter experimentado algumas vezes o tal manjar que a minha amiga vaidosa mandava preparar para impressionar os amigos, ganhei a confiança de Céia e, com o meu jeitinho, retirei-lhe a porção mágica do bolo.
 
Bem, não sou o que se pode considerar “um túmulo”, tinha que inaugurar este blogue repassando-a para vocês! Tudo o que vos peço é que guardem esse segredo e eu prometo que, vez por outra, vou pincelando aqui umas receitinhas divinais. Ou acham que foi somente esta que eu arranquei de Céia?
 
A porção mágica do Bolo de Ovomaltine (muito fácil de preparar):
 
Ingredientes
4 ovos
¾ chávena (xícara) de açúcar mascaro ou amarelo
½ chávena (xícara) de farinha de trigo para bolo
1 ½ chávena (xícara) de Ovomaltine
200g de manteiga para culinária
1 colher de sobremesa de fermento
 
Modo de fazer
Bater ou misturar bem o açúcar com a manteiga e os ovos. Depois, acrescentar o Ovomaltine, a farinha de trigo, o fermento e levar a assar em forno previamente aquecido a 180º. Fazer uma cobertura de chocolate à gosto, de preferência mais líquida, tipo uma calda mais grossa, para deixar o bolo húmido.
 
Sugestão
O bolo fica maravilhoso acompanhado de gelado (sorvete) de baunilha, um pouquinho aquecido no micro-ondas antes de servir. Se quiserem impressionar (como a minha amiga Déa!), podem empratar decorando com um pouco de Ovomaltine por cima do gelado (sorvete).
 
Para finalizar este momento especial, quero dedicar este post a Evinha, que com seus enormes olhos e a sua traquinice às vezes desesperadora, enche de alegria a vida da mãe, do pai e da mana!  

quinta-feira, 4 de abril de 2013

O direito de escolha da via de parto

Abordar um assunto tão polémico em poucas linhas não é tarefa fácil. Começo por esclarecer que a intenção não é fazer apologia a qualquer via específica de parto, nem tampouco comentar dados de relatórios científicos nesse campo ou orientações médicas, muito menos ingressar no terreno movediço dos índices económicos. Contudo, embora a escolha do tema tenha a ver com a minha própria experiência, penso que é preciso dar a conhecer sobretudo às mulheres o direito que lhes assiste à eleição da via de parto.

De fato, o parto é um fenómeno cercado por diversos aspetos, inclusive socioculturais, razão pela qual é objeto de estudo desde a Antropologia à Bioética e o Direito. Como também é verdade que a grande maioria das mulheres preferem o parto normal ou natural, motivadas pelo desejo de vivenciarem essa experiência de forma mais fisiológica. Mas há uma minoria – e o simples fato de haver obriga-nos a observá-la –, influenciadas pelo “medo da dor” do parto (tocofobia) ou por experiências pessoais e de outras mulheres que, podendo, fazem-na escolher o parto cesariano.

Digo “podendo”, porque, apesar de vivermos numa sociedade democrática e plural, fundamentada nos direitos de igualdade de tratamento, liberdade e autodeterminação, nem todos alcançam os custos inerentes ao exercício desse direito de escolha sem o suporte do Estado. Do que resulta que as taxas de parto por via cesária nos hospitais privados são consideravelmente mais elevadas do que as que ocorrem na rede pública, refletindo uma discriminação relevante com relação à condição socioeconómica da mulher que “pode” financiar o seu direito de opção daqueloutra menos favorecida.

É importante ressaltar que o direito dos casais, e em especial da mulher, tomarem decisões informadas a respeito da sua vida reprodutiva engloba sem dúvida o direito de escolha da via de parto, que deve ser exercido de forma livre e esclarecida, independentemente da natureza jurídica da instituição prestadora de cuidados de saúde. Exatamente neste sentido é o Parecer nº P/12/APB/08, da Associação Portuguesa de Bioética, Relatores Drs. Rui Nunes, Guilhermina Rego e Cristina Brandão. Em sentido convergente é o Parecer nº 190/2008, do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, Relator Cons. Arnaldo Pineschi de Azeredo Coutinho.

Evidentemente, o reconhecimento do direito de escolha da via de parto não é uma prioridade na agenda de saúde do Estado. Ainda assim, cabe-nos divulgar e reclamar o respeito pela dignidade e autonomia reprodutiva de todas as mulheres sem distinção, dando vozes ao Parecer da Associação Portuguesa de Bioética (assim como dos seus congéneres brasileiros), de modo a “tentar reduzir-se ao máximo as disparidades existentes entre o sector privado e o sector público, dando as mesmas possibilidades de escolha às grávidas que recorrem ao Serviço Nacional de Saúde do que aquelas que já existem para as grávidas acompanhadas em regime privado”.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Bem-vindos aos meus alfarrábios!

Há muitas maneiras de contar uma história. Algumas são contadas na primeira pessoa, outras escritas a duas mãos, mas há histórias que dispensam locutores, contam-se por si!

Digo isto porque a ideia de criar um blogue veio sendo acalentada no decorrer do último ano, não por falta de ocupação mas precisamente porque, com o nascimento da minha segunda filha, experimentei a angústia de me desdobrar em amor e dedicação sem esquecer de mim.

Este blogue é o meu encontro comigo mesma, a minha faxina interior, o meu instante de solidão criativa e as minhas motivações. Nele, pretendo partilhar os mais variados assuntos, considerando as minhas diversas e indissolúveis facetas de mulher, mãe e jurista, que por sinal combinam muito bem com o diversificado grupo de amigos que orgulho-me em manter apesar da distância (em muitos casos) e apesar do tempo.

Logo, neste espaço pretendo que sejam publicados desde indicações literárias a receitas de culinária, ou seja, questões que afetam e descontraem o nosso dia-a-dia, mas sem perder de vista um dos meus maiores objetivos, que é torna-lo num fórum de discussão de assuntos realmente importantes. Deste modo, vez ou outra haverá uma plataforma para a divulgação de notícias e artigos manifestamente sobre matérias jurídicas (mas não só!) que possam ser esclarecedoras e do grande interesse da maioria dos seguidores.

Alfarrábios são livros antigos de grandes dimensões, o mesmo que calhamaços. Bem-vindos aos meus alfarrábios!