quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Por que os bebés africanos não choram?

Este texto veio parar em minhas mãos e eu identifiquei-me prontamente com a história dessa mãe queniana. Nisto, tenho de concordar que, culturalmente, e em muitos aspetos, o Brasil está muito próximo da África, o que é percetível em termos históricos. Como já contei, aqui, a minha primeira filha foi uma bebé muito "difícil", chorava muito, não dormia, foi muito exigente para uma mãe de primeira viagem como eu. Sem exageros, só conseguia cala-la enquanto dava-lhe de mamar; da mesma forma adormece-la, de modo que podem imaginar o meu cansaço e compreender como era difícil para mim fazer diferente! A dada altura deixei de lutar e resolvi seguir o conselho do pediatra que nos indicaram em Salvador (Bahia, Brasil), onde a minha filha nasceu. Precisava desesperadamente de apoio e, ao contrário da fórmula mágica que tinha ido a procura, o Dr. Plínio (não me recordo o apelido!), um experiente e conceituado médico perto dos 70 anos ou mais, foi peremtório: devia amamenta-la sempre que ela pedia - era esta a natureza, era para isto que nós, mulheres, tínhamos mama... nós é que desvirtuamos tudo (!?). E não tinha que me preocupar com mais nada, a não ser em amamentá-la exclusivamente até o sexto mês de vida. Depois percebi que, no Brasil, as latas de leite artificial ou suplemento alimentar para recém-nascidos vinham com a recomendação do Ministério da Saúde do aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses e continuado até os 2 anos de vida do bebé. Percebo que há questões sociais ligadas a esta recomendação mas foi o que eu fiz, voluntariamente ou não, até a minha filha completar 20 meses.

Com a segunda, porque era sem dúvida uma bebé diferente da primeira e, se calhar, porque tinha a mãe mais "europeizada", consegui manter o aleitamento materno até o seu quinto mês de vida mas já não de forma exclusiva.

A verdade é que tenho duas filhas saudáveis, amorosas e emocionalmente ligadas a mim. Fundamentalismos à parte, tenho duas filhas diferentes e tive desde o início de saber lidar com elas de formas diferentes, descobrindo aqui e ali maneiras de conforta-las e estarmos bem. Ainda assim, gostaria que o texto que partilho abaixo pudesse ser um ponto de reflexão, sobretudo, para as recém-mamãs que o lerem. De tudo, se puder numa única frase resumi-lo e exprimir aquilo que penso, diria, tal como a sábia avó africana: Decifrem os seus bebés, eles não vêm com cronómetro. 
"Eu nasci e cresci no Quénia e na Cote d'Ivoire. A partir dos quinze anos fui viver no Reino Unido. No entanto, eu sempre soube que eu queria criar os meus filhos (quando os tivesse) em casa, no Quénia. E sim, eu achava que iria tê-los. Eu sou uma mulher moderna Africana, com dois graus universitários, e uma mulher de quarta geração de trabalho, mas quando se trata de crianças, sou tipicamente Africana. A ideia é que não estamos completas sem elas, as crianças são uma bênção que seria uma loucura evitá-las. Na verdade é que esta questão nem sequer surgiu. 
Eu comecei a minha gravidez no Reino Unido. O desejo de regressar a casa era tão forte que eu vendi a minha prática, abri um novo negócio e mudei de casa e de país nos primeiros cinco meses após descobrir que estava grávida. Eu fiz o que muitas mães grávidas no Reino Unido fazem, ler vorazmente: Our Babies, Ourselves, Unconditional Parenting, tudo da Sears, a lista continua. (Minha avó comentou mais tarde que os bebés não lêem livros e realmente tudo que eu precisava fazer era "ler" o meu bebé). Tudo o que li, disse que os bebés africanos choram menos do que os bebés europeus. Fiquei intrigada com isso.
Quando cheguei em casa pude observar. Olhei para mães e bebés e eles estavam por toda parte, embora muito jovens os africanos, com menos de seis semanas, estavam em casa. A primeira coisa que notei é que apesar de sua omnipresença, é realmente muito difícil "ver" um bebé queniano. Normalmente são incrivelmente bem embrulhados, antes de serem transportados, ou amarrados pela sua mãe (às vezes pelo pai). Mesmo os bebés mais velhos são amarrados a toda a volta e são protegidos do meio ambiente por um grande cobertor. Seria a sorte alguém conseguir ver algo, fosse um olho ou o nariz. O embrulho é uma réplica semelhante ao útero. Os bebés ficam literalmente num casulo face às tensões do mundo exterior em que eles estão a entrar.

A minha segunda observação foi uma questão cultural. No Reino Unido, entende-se que os bebés choram. No Quénia, era completamente o oposto. O entendimento é que os bebés não choram. Se o fizerem, algo está terrivelmente errado e deve ser feito para corrigi-lo imediatamente. A minha cunhada inglesa resumiu bem. "As pessoas aqui", disse ela, "realmente não gostam que os bebés chorem, não é?"

Tudo fazia muito mais sentido quando eu finalmente cheguei e a minha avó veio da aldeia para me visitar. Quando isso aconteceu, minha filha teve um grande bocado a chorar. Desesperada e cansada, eu esqueci-me de tudo que eu já tinha lido e, por momentos, juntei-me ao choro. No entanto, para minha avó era simples, "Nyonyo (amamenta a tua filha)!" Foi a sua resposta.
Houve momentos em que era uma fralda molhada, ou porque eu a tinha colocado para baixo, ou porque ela precisava de arrotar, mas, principalmente, ela só queria estar no peito, não importa se estava a ser alimentada ou apenas a ser um conforto do momento. Eu usufruía mais da sua companhia e praticava co-sleeping (partilha de cama) com ela, eu estava a fazer uma extensão natural para o que era correto. 
De repente eu aprendi o segredo, não tão difícil, do silêncio alegre de bebés africanos. Foi uma simbiose simples, vi que exigia uma mudança total de ideias sobre o que deveria acontecer e um abraçar do que realmente estava acontecer naquele momento. O resultado foi que o meu bebé começou a ser alimentado muito muito mais do que eu já tinha lido, pelo menos  mais cinco vezes do que alguns dos horários mais rigorosos de alimentação que eu tinha visto.  
À cerca de quatro meses, quando algumas mães da zona urbana começar a introduzir sólidos, segundo diretrizes que lhes haviam recomendado, a minha filha voltou ao estilo de amamentação de um recém-nascido, ou seja de hora a hora e foi um choque total. Lentamente, nos últimos quatro meses, o tempo entre as mamadas começou a aumentar. (...) 
A maioria das mães do grupo da minha mãe e do meu bebé tinham começado a introduzir o arroz ao bebé (para esticar os alimentos) e todos os profissionais envolvidos na vida das nossas crianças, pediatras, mesmo doulas, disseram que esta atitude foi correta. As mães também precisavam de descanso e que tínhamos feito algo surpreendente ao chegarmos aos quatro meses de amamentação em exclusivo, e eles garantiram-nos que para os nossos bebés seria ótimo. Houve uma coisa que não me pareceu muito verdadeira, quando eu tentei, sem grande entusiasmo, misturar um pouco de mamão (o alimento tradicional para o desmame no Quénia) com leite materno que retirei e ofereci-o à minha filha, ela rejeitou-o.
Então eu liguei para minha avó. Ela riu-se e perguntou se eu andava novamente a ler os livros. Ela explicou-me cuidadosamente que na amamentação nada é linear. "Ela vai dizer-te quando estará pronta para o alimento - e seu corpo também." 
"O que vou fazer até lá?" Eu estava ansiosa para saber. "Tu fazes o que fizeste antes, amamentas regularmente." Então, a minha vida abrandou para o que parecia ser um impasse novamente. Enquanto muitos de meus contemporâneos, maravilhados com a forma como seus filhos começaram a dormir mais, depois de terem introduzido o arroz e mesmo de se aventurarem em outros alimentos, eu estava a acordar de hora em hora ou a cada duas horas com minha filha e digo aos meus pacientes que o retorno ao trabalho não fora bem como eu havia planeado. 
Logo descobri que, sem querer, eu estava a transformar-me num serviço de apoio informal para outras mães da zona urbana. O meu número de telefone estava a faz as rondas e muitas vezes enquanto eu alimentava a minha bebé eu começava a ouvir-me a pronunciar as palavras: "Sim, basta manter a alimentação dele/dela. Sim, mesmo que você tenha acabado de os alimentar. Sim, você pode até não conseguir tirar o seu pijama hoje. Sim, você ainda precisa de comer e beber como um cavalo. Não, agora não pode ser a hora de considerar o retorno ao trabalho, você não se pode dar a esse luxo." E, finalmente, eu assegurei mães, "Vai ficar mais fácil." Eu tive que confiar apenas neste último conselho, pois não estava a ser mais fácil para mim. 
Uma semana antes da minha filha fazer cinco meses, viajei ao Reino Unido para um casamento e para ela conhecer a família e amigos. Como eu tinha poucos compromissos, facilmente mantive a rotina da sua amamentação. Apesar dos olhares desconcertados de muitos estranho em vários locais públicos (a maioria das salas de amamentação foram designadas em casas de banho que eu simplesmente não conseguia usar) por eu amamentar a minha filha, nós continuamos.
Num casamento, as pessoas que estavam na mesma mesa que nós, comentaram: "É um bebé muito fácil embora não se alimente muito bem", uma outra senhora respondeu: "Embora eu tenha lido em algum lugar que os bebés africanos não choram muito." Eu não pude deixar de rir.
Sabedoria suave da minha avó:
1. Ofereça o peito a cada momento que a sua bebé estiver chateada - mesmo que tenha acabado de lhe dar mama.
2. Co-sleeping. Muitas vezes podes amamentar o teu bebé antes de estar completamente acordada, o que lhes permitirá voltar a dormir mais facilmente e descansar mais.
3. Leva sempre uma garrafa de água quente para a cama contigo à noite para mantê-lo hidratado e o leite fluir.

4. Amamenta a pedido do bebé (especialmente durante os picos de crescimento) e tenta obter o máximo de ajuda de quem estiver perto de ti. Poucas são as coisas que não podem esperar.
Lê o teu bebé e não os livros. A amamentação não é linear, ele vai para cima e para baixo e também em círculos. Tu és o especialista das necessidades do teu bebé."
Fonte: Blog «O Mundo é das Crianças».
Artigo original: Why African Babies Dont't Cry.

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