quinta-feira, 11 de julho de 2013

"Minha vida de emigrante", por Yalu Miranda

Em tempos, apresentei aqui o romance Batalha de Mestre, de Achel Tinoco, baseado na história de vida do seu irmão Yalu Miranda e nas dificuldades que enfrentou nos Estados Unidos como emigrante em busca de seu sonho pessoal. Desta vez convidei o próprio Yalu Miranda para contar-nos na primeira pessoa um pouco de sua experiência e dos sentimentos que lhe moveram a abandonar a família, os amigos e o emprego insuficiente, rumo ao desconhecido.
 
Achei propício, porque esses dias muitos leitores se identificaram com o post "Notícias de além mar!", onde relato a minha reação (e de certa forma a do meu pai!) ao que seria viver num país constantemente balançado pelos indicadores de retração económica. Nascer e crescer sob o medo da "crise" nos faz criar maneiras de conviver com ela quase de forma pacífica, mas não acomodada. Esta falta de comodidade que um país em crise económico-social proporciona sobretudo aos mais jovens é que muitas vezes impulsiona o fenómeno da emigração, como forma de desbravar outros horizontes e buscar, para além das fronteiras territoriais, aquilo que já se faz escasso, quiçá tornando-se competitivos e regressando em melhores condições.
 
Yalu Miranda agora prepara-se para regressar às suas origens, independentemente das notícias que lhe chegam de lá. E que diferença isto faz, para quem habituou-se aos pedregulhos no caminho?    
"Emigrante é a pessoa que se muda de maneira voluntária para viver em um outro local. É justo afirmar que o emigrante é sempre movido pelo desejo de realizar um sonho. Comigo não foi diferente. Cheguei nos Estados Unidos em março de 1997 com um sonho: fazer um Mestrado.
Naquela manhã fria de 22 de Março, desembarquei no Aeroporto Internacional Dulles, no Estado da Virgínia. Não sabia falar nada do idioma, então naturalmente o nervosismo já se fez presente mesmo antes de encarar o Oficial de imigração. Conferidos todos os documentos, o 'Tio Sam' me deu as boas-vindas.
Naquele momento não sei expressar muito bem o que sentia. Estava alegre e ao mesmo tempo triste. Alegre pela esperança da realização de um sonho, de experimentar o novo, de abraçar novas oportunidades, enfim, de 'conquistar a América'. Triste, por ter deixado para trás a vida costumeira, a família, os amigos, a vida social, o espaço conquistado e todas as facilidades de viver em solo pátrio.

Os sentimentos se misturavam, pois ao mesmo tempo em que pensava na alegria das conquistas, vinham as muitas dúvidas de como alcançá-las. Já encarando a nova vida, acho que como todo emigrante, me sentia 'cabreiro', desconfiado, sem conhecimento e com todas as incertezas possíveis. A falta de ambientação sociocultural e a consequente rudeza do dia-a-dia certamente me tiravam a qualidade da vida de outrora. Mas a esperança de um porvir com experiências e descobertas interessantes sempre superavam as lembranças da realidade dura que estava enfrentando.
A medida que a vida ia acontecendo, eu ia aprendendo e valorizando novos conhecimentos, experiências e valores culturais. Com o primeiro trabalho, apesar de simples e cansativo, veio uma sensação gostosa de 'eu estou fazendo acontecer'. Outros trabalhos simples e cansativos vieram e eu, pouco a pouco, ia estabelecendo os meios para alcançar o meu objetivo final. A vida, então, ia começando a se tornar mais prática e mais dinâmica e apesar das dificuldades eu percebia que estava avançando.
A comparação era sempre inevitável mesmo nas coisas que poderiam ser caracterizadas como banais: infraestrutura, casas, canteiros, particularidades da língua, perfil das pessoas, hábitos e costumes, clima, etc. Muito se passava em minha mente, mas tudo ia se traduzindo num sinal de adaptação à nova realidade. 
Então, e de repente, como alguém que no meio de uma tempestade começa a perceber que o pior já passou, eu ia abraçando o que me fazia bem, o que percebia como certo, e ia repensando velhos conceitos. Com isso eu fui abrindo a visão para uma outra vida, talvez não nova, mas diferente. O medo do desconhecido e as incertezas do caminho iam pouco a pouco dando lugar à convicção de que o objetivo estava ao alcance. Já não sofria tanto com as mudanças e comecei a encará-las como uma nova forma de aprendizado que estava trazendo um novo sentido para a minha vida. 
No dia 17 de Maio de 2003 conclui o Mestrado em Comércio Internacional e Políticas, na Universidade George Mason, no Estado da Virgínia, Estados Unidos. Impossível descrever a sensação de satisfação, alegria e de dever cumprido!
Como emigrante, a minha experiência foi naturalmente cheia de altos e baixos, alegrias e tristezas, certezas e deceções; mas, também posso afirmar que foi simplesmente fantástica, principalmente por ter imposto a mim mesmo um grande desafio e ter tido a coragem de correr todo o risco. Concluo com uma citação de Damário da Cruz, que para mim faz todo o sentido: 'a possibilidade de arriscar é que nos faz homens; um voo perfeito no espaço que criamos; ninguém decide sobre os passos que evitamos; certeza de que não somos pássaros e que voamos; e a tristeza de que não vamos por medo dos caminhos'". 
 

4 comentários:

  1. O emigrante decerto é dos seres mais corajosos que existem, pois partem sempre para o desconhecido, para um lugar que não é o seu. Mas ele vai, seguindo apenas o sonho, como quem corre atrás da própria sombra. É admirável e tocante a luta deste meu irmão, que seguiu pelo escuro, no frio, atrás do seu sonho. E o sonho nunca está pertinho de nós, está sempre além-mar, do outro lado do mundo, naquele lugar... Mas Yalú conseguiu, venceu, conquistou, ainda que a luta pareça terminar jamais. Como ele mesmo diz: "Faz-se preciso matar dois leões a cada dia". Pior: os leões estão sempre do outro lado do mundo. Mas nesses Alfarrábios, pelo menos, vamos destilando todos os sonhos e as ilusões, oxente! Parabéns.

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    1. Vc como sempre, com palavras tocantes e inspiradoras. Um dia vou querer ser escritor e poeta e, quem sabe, fazer melhor uso das palavras. Obrigado mano por seu apoio, sempre. Um abraco.

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  2. Núbia, querida!
    Obrigado por me ceder um espaço tão belo para que eu pudesse dividir com outras pessoas um pouco das minha experiências e sentimentos. Ficou excelente.

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