quarta-feira, 22 de maio de 2013

O Estatuto do Nascituro e suas implicações para os direitos das mulheres brasileiras

No passado dia 17 de Abril, o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007) voltou a pauta da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, Brasil, para julgamento. Por apenas um voto não entrou em discussão e caso seja aprovado seguirá para a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, a última desta Casa.
 
Muitas pessoas desconhecem os objetivos do Estatuto do Nascituro, bem como as suas repercussões a nível dos direitos das mulheres brasileiras. Por esta razão, entendi ser oportuno tecer algumas considerações a respeito de assunto tão delicado, dando o meu contributo para o esclarecimento dos leitores e, quiçá, a formação de uma opinião ponderada, seja ela qual for.
 
Para começar, é importante lembrar que o Brasil é um país tradicionalmente muito religioso, tendo a maior população católica do mundo, o que naturalmente repercute numa legislação bastante restritiva em matéria dos direitos reprodutivos das mulheres (decorrência do princípio da sacralidade da vida). Basta dizer, que quando se discutia as questões da mulher na elaboração da Constituição brasileira de 1988, os grupos religiosos quiseram prever no Art. 5º “a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção”, sendo impedidos pelos grupos feministas, que após uma luta árdua conseguiram afastar a matéria abortiva do texto constitucional.
 
Não obstante, depois de mais de duas décadas de vigência da Constituição, nota-se claramente um retrocesso do Congresso Nacional em matérias ligadas aos direitos das mulheres, como se constata com a PEC 164/2012, que visa novamente assegurar a inviolabilidade do direito à vida desde a conceção. Segundo o Cfemea – Centro Feminista de Estudos e Assessoria (ONG que acompanha os debates no Poder Legislativo), a atual legislatura é a pior desde a Constituição de 1988.
 
Esta tendência conservadora da legislatura atual é também marcada pela tentativa de aprovação do Estatuto do Nascituro. Se for sancionado, o Estatuto do Nascituro representará um entrave não só ao acesso eficaz das mulheres ao aborto nos casos já permitidos (risco de vida para a mãe e gravidez decorrente de violência sexual), como também poderá dificultar a revisão da matéria, de forma a ampliar os seus direitos reprodutivos. Ademais, trará repercussões negativas para as pesquisas com células-tronco embrionárias, opondo-se neste aspeto a decisão do STF que recentemente as autorizou.
 
Isto porque o Estatuto do Nascituro assegura a proteção integral do nascituro desde o momento da conceção, incluindo nesse conceito “os seres humanos concebidos ‘in vitro’, os produzidos através de clonagem ou por outro meio científica e eticamente aceito” (Arts. 1º e 2º). Efetivamente, o Estatuto do Nascituro visa estabelecer os direitos do nascituro, equiparando equivocadamente o estatuto jurídico e moral do embrião humano com o da pessoa nascida.
 
Dentre outras determinações, reza o Art. 4º do Estatuto que “(…) é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar ao nascituro, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento, à alimentação, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à família, além de colocá-lo a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
 
Com efeito, quando o Estatuto preconiza os direitos do nascituro “com absoluta prioridade”, invalida completamente o recurso ao aborto terapêutico, cujo procedimento tem por escopo resolver o conflito existente entre a vida da mãe e a do feto. Isto vale independentemente da probabilidade de sobrevida do nascituro (Arts. 9º e 10º), contrariando, também neste aspeto, a jurisprudência já assente relativamente ao abortamento de feto portador de anencefalia.
 
Manifestamente, inviabiliza também a prática do aborto sentimental, na medida em que veda “ao Estado e aos particulares causar qualquer dano ao nascituro em razão de um ato delituoso cometido por algum de seus genitores” (Art. 12).
 
Assim, ao nascituro concebido em decorrência de crime contra a liberdade sexual da mulher é assegurado direito prioritário à assistência pré-natal e pensão alimentícia equivalente a um salário mínimo nacional até que complete 18 anos, paga pelo Estado ou pelo genitor quando identificado. E, em contrapartida, o único direito reconhecido à mulher é o acompanhamento psicológico, além de poder encaminhar o menor para adoção (Arts. 12 e 13). É por isto que se apelida o Estatuto do Nascituro de "Bolsa-estupro".
 
Outra inovação do Estatuto tem a ver com a parte penal: é criada a modalidade culposa do aborto (Art. 23); o crime de anúncio de processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto (Art. 24); proíbe congelar, manipular ou utilizar nascituro como material de experimentação (Art. 25); cria os crimes de ofensa à honra do nascituro (Arts. 26 e 27); o crime de apologia do aborto ou de quem o praticou, bem como o incitamento à sua prática (Art. 28); o crime de induzimento de mulher grávida à prática do aborto (Art. 29) e, por fim, enquadra o aborto entre os crimes hediondos.
 
Como se nota, ao nascituro é conferido um extenso leque de direitos, na mesma proporção em que se retira da mulher os direitos conquistados democraticamente, não somente os concernentes a sua autonomia e liberdade individual, mas sobretudo a sua própria saúde física e mental. Estes direitos fazem parte do elenco de direitos fundamentais e são expressão do princípio da dignidade humana, corolário de todos os demais. Por esta razão, dificilmente se poderá conferir legitimidade constitucional ao Estatuto do Nascituro.
 

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