terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Xingamento (xinga a mãe, xinga o pai, xinga o escritor)

Há coisas que leio que me calam, outras me tocam e outras ainda me fazem rir. Com esta crónica (abaixo) aconteceu mais ou menos tudo isto. A medida que lia, ia arrancando risos de mim e em gesto afirmativo concordava: "É isto! Não diria melhor!" Reparo: Com exceção da última frase que acho que, ao contrário do que parece querer dizer o autor, soa um tanto quanto machista! "A mulher nem sempre tem culpa (?!)". Não se trata de uma questão de culpa, nem muito menos sexista ou ligada ao género. Trata-se, isto sim, de repor os factos e atribuir adjetivos à pessoa certa. 

Mas antes é preciso ter em conta que o autor é o ator e escritor brasileiro Gregório Duvivier, um dos criadores do portal de humor Porta dos Fundos. É um texto escrito, digamos, "com piada"; embora nem todos concordem! Chamo atenção a isto porque, na reportagem, há uma dezena de comentários depreciativos ao conteúdo do texto, bem como ao escritor, por considerá-lo machista e inapropriado à essência do Jornal. Sinceramente, achei-os desproporcionalmente ofensivos (e nem foi preciso xingar a mãe ou a mulher de ninguém, vá lá!). Dado o devido crédito à comédia, não venham me dizer que não é assim que acontece, tantas vezes! É claro que as mulheres tem o seu próprio estatuto, há liberdade e igualdade, nem precisamos de procurador que nos defenda! Mas quem foi que se lembrou de dizer, com tanta graça, aquilo que a gente já sabe? Deixando de lado essa guerra do sexo, o texto, intitulado «Xingamento», tem imensa piada e penso que foi escrito nesse sentido. Leiam:  

"Puta, piranha, vadia, vagabunda, quenga, rameira, devassa, rapariga, biscate, piriguete. Quando um homem odeia uma mulher — e quando uma mulher odeia uma mulher também— a culpa é sempre da devassidão sexual. Outro dia um amigo, revoltado com o aumento do IOF, proferiu: 'Brother, essa Dilma é uma piranha'. Não sou fã da Dilma. Mas fiquei mal. Brother: a Dilma não é uma piranha. A Dilma tem muitos defeitos. Mas certamente nenhum deles diz respeito à sua intensa vida sexual. Não que eu saiba. E mesmo que ela fosse uma piranha. Isso é defeito? O fato dela ter dado pra meio Planalto faria dela uma pessoa pior?
Recentemente anunciaram que uma mulher seria presidenta de uma estatal. Todos os comentários da notícia versavam sobre sua aparência: 'Essa eu comeria fácil' ou 'Até que não é tão baranga assim'. O primeiro comentário sobre uma mulher é sempre esse: feia. Bonita. Gorda. Gostosa. Comeria. Não comeria. Só que ela não perguntou, em momento nenhum, se alguém queria comê-la. Não era isso que estava em julgamento (ou melhor: não deveria ser). Tinham que ensinar na escola: 1. Nem toda mulher está oferecendo o corpo. 2. As que estão não são pessoas piores.
Baranga, tilanga, canhão, dragão, tribufu, jaburu, mocreia. Nenhum dos xingamentos estéticos tem equivalente masculino. Nunca vi ninguém dizendo que o Lula é feio: "O Lula foi um bom presidente, mas no segundo mandato embarangou." Percebam que ele é gordinho, tem nariz adunco e orelhas de abano. Se fosse mulher, tava frito. Mas é homem. Não nasceu pra ser atraente. Nasceu pra mandar. Ele é xingado. Mas de outras coisas.
Filho da puta, filho de rapariga, corno, chifrudo. Até quando a gente quer bater no homem, é na mulher que a gente bate. A maior ofensa que se pode fazer a um homem não é um ataque a ele, mas à mãe — filho da puta - ou à esposa — corno. Nos dois casos, ele sai ileso: calhou de ser filho ou de casar com uma mulher da vida. Hijo de puta, son of a bitch, fils de pute, hurensohn. O xingamento mais universal do mundo é o que diz: sua mãe vende o corpo. 1. Não vende. 2. E se vendesse? E a sua, que vende esquemas de pirâmide? Isso não é pior?
Pobres putas. Pobres filhos da puta. Eles não têm nada a ver com isso. Deixem as putas e suas famílias em paz. Deixem as barangas e os viados em paz. Vamos lembrar (ou pelo menos tentar lembrar) de bater na pessoa em questão: crápula, escroto, mau-caráter, babaca, ladrão, pilantra, machista, corrupto, fascista. A mulher nem sempre tem culpa".
(Gregório Duvivier)
Fonte: Publicado no periódico Folha de S.Paulo, de 06.01.2014.

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