Em tempos, apresentei aqui o romance Batalha de Mestre, de Achel Tinoco, baseado na história de vida do seu irmão Yalu Miranda e nas dificuldades que enfrentou nos Estados Unidos como emigrante em busca de seu sonho pessoal. Desta vez convidei o próprio Yalu Miranda para contar-nos na primeira pessoa um pouco de sua experiência e dos sentimentos que lhe moveram a abandonar a família, os amigos e o emprego insuficiente, rumo ao desconhecido.
Achei propício, porque esses dias muitos leitores se identificaram com o post "Notícias de além mar!", onde relato a minha reação (e de certa forma a do meu pai!) ao que seria viver num país constantemente balançado pelos indicadores de retração económica. Nascer e crescer sob o medo da "crise" nos faz criar maneiras de conviver com ela quase de forma pacífica, mas não acomodada. Esta falta de comodidade que um país em crise económico-social proporciona sobretudo aos mais jovens é que muitas vezes impulsiona o fenómeno da emigração, como forma de desbravar outros horizontes e buscar, para além das fronteiras territoriais, aquilo que já se faz escasso, quiçá tornando-se competitivos e regressando em melhores condições.
Yalu Miranda agora prepara-se para regressar às suas origens, independentemente das notícias que lhe chegam de lá. E que diferença isto faz, para quem habituou-se aos pedregulhos no caminho?
"Emigrante é a pessoa que se muda de maneira voluntária para viver em um outro local. É justo afirmar que o emigrante é sempre movido pelo desejo de realizar um sonho. Comigo não foi diferente. Cheguei nos Estados Unidos em março de 1997 com um sonho: fazer um Mestrado.
Naquela manhã fria de 22 de Março, desembarquei no Aeroporto Internacional Dulles, no Estado da Virgínia. Não sabia falar nada do idioma, então naturalmente o nervosismo já se fez presente mesmo antes de encarar o Oficial de imigração. Conferidos todos os documentos, o 'Tio Sam' me deu as boas-vindas.
Naquele momento não sei expressar muito bem o que sentia. Estava alegre e ao mesmo tempo triste. Alegre pela esperança da realização de um sonho, de experimentar o novo, de abraçar novas oportunidades, enfim, de 'conquistar a América'. Triste, por ter deixado para trás a vida costumeira, a família, os amigos, a vida social, o espaço conquistado e todas as facilidades de viver em solo pátrio.
Os sentimentos se misturavam, pois ao mesmo tempo em que pensava na alegria das conquistas, vinham as muitas dúvidas de como alcançá-las. Já encarando a nova vida, acho que como todo emigrante, me sentia 'cabreiro', desconfiado, sem conhecimento e com todas as incertezas possíveis. A falta de ambientação sociocultural e a consequente rudeza do dia-a-dia certamente me tiravam a qualidade da vida de outrora. Mas a esperança de um porvir com experiências e descobertas interessantes sempre superavam as lembranças da realidade dura que estava enfrentando.
A medida que a vida ia acontecendo, eu ia aprendendo e valorizando novos conhecimentos, experiências e valores culturais. Com o primeiro trabalho, apesar de simples e cansativo, veio uma sensação gostosa de 'eu estou fazendo acontecer'. Outros trabalhos simples e cansativos vieram e eu, pouco a pouco, ia estabelecendo os meios para alcançar o meu objetivo final. A vida, então, ia começando a se tornar mais prática e mais dinâmica e apesar das dificuldades eu percebia que estava avançando.
A comparação era sempre inevitável mesmo nas coisas que poderiam ser caracterizadas como banais: infraestrutura, casas, canteiros, particularidades da língua, perfil das pessoas, hábitos e costumes, clima, etc. Muito se passava em minha mente, mas tudo ia se traduzindo num sinal de adaptação à nova realidade.
Então, e de repente, como alguém que no meio de uma tempestade começa a perceber que o pior já passou, eu ia abraçando o que me fazia bem, o que percebia como certo, e ia repensando velhos conceitos. Com isso eu fui abrindo a visão para uma outra vida, talvez não nova, mas diferente. O medo do desconhecido e as incertezas do caminho iam pouco a pouco dando lugar à convicção de que o objetivo estava ao alcance. Já não sofria tanto com as mudanças e comecei a encará-las como uma nova forma de aprendizado que estava trazendo um novo sentido para a minha vida.
No dia 17 de Maio de 2003 conclui o Mestrado em Comércio Internacional e Políticas, na Universidade George Mason, no Estado da Virgínia, Estados Unidos. Impossível descrever a sensação de satisfação, alegria e de dever cumprido!
Como emigrante, a minha experiência foi naturalmente cheia de altos e baixos, alegrias e tristezas, certezas e deceções; mas, também posso afirmar que foi simplesmente fantástica, principalmente por ter imposto a mim mesmo um grande desafio e ter tido a coragem de correr todo o risco. Concluo com uma citação de Damário da Cruz, que para mim faz todo o sentido: 'a possibilidade de arriscar é que nos faz homens; um voo perfeito no espaço que criamos; ninguém decide sobre os passos que evitamos; certeza de que não somos pássaros e que voamos; e a tristeza de que não vamos por medo dos caminhos'".
O emigrante decerto é dos seres mais corajosos que existem, pois partem sempre para o desconhecido, para um lugar que não é o seu. Mas ele vai, seguindo apenas o sonho, como quem corre atrás da própria sombra. É admirável e tocante a luta deste meu irmão, que seguiu pelo escuro, no frio, atrás do seu sonho. E o sonho nunca está pertinho de nós, está sempre além-mar, do outro lado do mundo, naquele lugar... Mas Yalú conseguiu, venceu, conquistou, ainda que a luta pareça terminar jamais. Como ele mesmo diz: "Faz-se preciso matar dois leões a cada dia". Pior: os leões estão sempre do outro lado do mundo. Mas nesses Alfarrábios, pelo menos, vamos destilando todos os sonhos e as ilusões, oxente! Parabéns.
ResponderEliminarVc como sempre, com palavras tocantes e inspiradoras. Um dia vou querer ser escritor e poeta e, quem sabe, fazer melhor uso das palavras. Obrigado mano por seu apoio, sempre. Um abraco.
EliminarNúbia, querida!
ResponderEliminarObrigado por me ceder um espaço tão belo para que eu pudesse dividir com outras pessoas um pouco das minha experiências e sentimentos. Ficou excelente.
Eu que te agradeço ;) bjs
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