Nos
temas afetos ao direito à vida, muito se discute sobre a existência de um
suposto direito de matar por compaixão, matar para livrar da dor o doente
incurável, matar quem suplica a morte. A eutanásia é um dos problemas mais
difíceis do Direito Penal, sobretudo por não se restringir a esta área do
conhecimento. Aqueles
que a defendem desejam combater o poder que o avanço tecnológico veio conferir aos
Médicos no controlo do próprio processo de morte do indivíduo. A eutanásia
apresenta-se, assim, como um protesto, uma forma de assegurar ao doente o direito de decidir se
quer e como quer utilizar a tecnologia a seu favor, em reforço da sua autonomia
pessoal.
Mas
será que a autonomia individual enquanto valor fundamental implica que uma
pessoa capaz possa dispor livremente da sua vida? Quais são os limites da autonomia
do doente? Será lícito que conte com a ajuda de outra pessoa para tirar a sua
própria vida?
É
de facto paradoxal a justificação teórica da prática da eutanásia, sobretudo
tendo em conta que, historicamente, nunca esteve ligada à questão da autonomia.
A vasta literatura atribui a origem da eutanásia aos vocábulos gregos eu (boa) e thanatos (morte), querendo expressar morte piedosa, morte sem dor,
morte sem sofrimento. Com efeito,
traduz-se num quase deixar morrer naturalmente. A eutanásia foi entretanto
perdendo esse sentido, passando a ser entendida como o método ou ato que se
destina a provocar a morte do doente desesperado, com fundamento no alívio do
seu sofrimento (justificação médica)
e no respeito pela sua autonomia pessoal (justificação
não médica).
A
eutanásia, na verdade, é a ação ou omissão pela qual o Médico põe termo à vida
do paciente gravemente doente, a seu pedido ou para libertá-lo da dor e do
sofrimento insuportável, visando possibilitar-lhe uma morte humanamente digna.
É o que se designa, mais atualmente, de homicídio
por compaixão ou de ajuda para morrer,
a fim de eliminar toda a dor física ou psíquica.
O
fato da eutanásia implicar a intervenção de um Médico não é desprovido de sentido.
Aliás, a eutanásia deve ser compreendida como um ato médico, ou seja, como um ato
próprio e restrito da Medicina. Isto porque a eutanásia ou qualquer outro tipo
de ajuda para morrer pressupõe a avaliação médica sobre a irreversibilidade do
quadro clínico que conduzirá à morte, sobre a legitimidade do pedido do
paciente ou de seus familiares, bem como sobre os métodos a serem adotados, de
modo a que o processo se desencadeie com segurança e da forma mais confortável para
o doente.
Mas
se por um lado a eutanásia é a antecipação da morte de quem definha, por outro
lado a missão da Medicina é lutar contra a doença. Esta dicotomia provoca uma
grande tensão em torno do assunto, uma vez que a manutenção da vida a todo o
custo pode conduzir a um efeito tanto ou mais criticável, que é a chegada da
morte com notável sofrimento e sem vantagens para o paciente. É neste contexto
que se coloca a grande discussão entre o prolongamento artificial da vida e o
direito de morrer dignamente ou, como preferir, o direito de viver a própria morte, acirrando ainda mais o debate
sobre os limites que envolvem o fim da vida e a real dimensão da tutela
jurídica do doente.
Com
efeito, os defensores da eutanásia negam toda a espécie de conduta médica despropositada.
Nesta medida, diante dos inúmeros relatos de casos judiciais onde se discute o
direito de morrer dignamente – seja reconhecendo-o previamente, seja perdoando
aquele que deu a morte a pessoa enferma – pode parecer equivocado que poucos
países aceitem e pratiquem a eutanásia. Isto porque, é muito comum o termo
eutanásia ser utilizado de forma imprecisa.
Muitas
vezes, a eutanásia – ato pelo qual alguém retira a vida a outra pessoa – é
referida indistintamente como suicídio assistido – ato pelo qual alguém ajuda
terceiro a pôr termo à sua própria vida. Um exemplo clássico de suicídio
assistido é o do Médico de Detroid (EUA) Jack Kevorkian, que ficou conhecido
nos anos 90 como Dr. Morte, por ter
criado várias “máquinas de suicídio” e instalado em sua carrinha Volkswagen,
para onde levava os pacientes.
Outras
vezes, confunde-se a eutanásia com a distanásia, que é o seu inverso, a morte protelada;
e a estas duas ainda se contrapõe a ortotanásia, que é a morte no tempo certo. No
caso da ortotanásia o Médico não interfere no processo natural da morte, nem
para antecipá-lo nem para adiá-lo. Mantém apenas os cuidados básicos no doente.
Deste modo, a prática da ortotanásia é largamente aceita tanto pela Ética
médica como pelo Direito. É, em verdade, a restrição do uso de certos recursos
por serem considerados desproporcionados e, portanto, medicamente inadequados.
Ainda,
não raramente confunde-se o significado da ortotanásia com o da eutanásia
passiva, obscurecendo ainda mais o sentido dos debates, na medida em que coloca
no mesmo plano todo o tipo de abstenção de tratamento. Trata-se, na realidade,
de uma imprecisão conceitual, pois na eutanásia passiva suspende-se
deliberadamente as medidas de suporte vital indicadas para o caso, enquanto na
ortotanásia suspende-se as medidas que perderam sua indicação por resultarem
inúteis para o doente.
É
importante ter presente que a eutanásia é sempre concebida como uma atuação,
positiva ou negativa, dirigida a provocar a morte de outra pessoa. Daí que a
eutanásia de fato corresponde ao crime de homicídio, pois a conduta do agente
resulta na morte de alguém. Mas a distinção entre eutanásia ativa e passiva –
ou a diferença moral entre matar (killing) e deixar morrer (allowing to
die) – não é tão linear quanto parece. Se assim fosse, então o Médico que
desliga a máquina que mantém o paciente vivo, mata-o; enquanto aquele que
recusa-se a colocar o doente numa máquina de suporte de vida, simplesmente
deixa-o morrer.
Tradicionalmente,
aceita-se valorações diversas para a eutanásia ativa e passiva. Ao mesmo tempo
em que não se aceita acabar intencionalmente com a vida de uma pessoa,
aceita-se que, em certos casos, se deixe de socorrer a medidas para manter a
vida. Tudo dependerá das circunstâncias concretas de cada caso e dos limites
que se possa estabelecer, embora não se deva ignorar que a eutanásia passiva
todos os dias seja praticada nos hospitais do mundo inteiro.
No
entanto, ao contrário do que pode parecer, a eutanásia passiva não é lícita, na
medida em que deixa morrer o paciente por omissão de cuidados médicos. É neste
contexto que se discute uma das maiores controvérsias em torno do assunto,
referente ao tratamento jurídico que deve ser dispensado à conduta do Médico
que desliga os aparelhos de suporte de vida do doente, não consideravelmente em
final de vida. Parte da doutrina considera que consiste numa conduta ativa e
via de regra passível de punição; mas a corrente maioritária inclina-se para
concebê-la como uma conduta passiva, de interrupção técnica de tratamento e,
portanto, de omissão de uma atividade de esforço adicional ou de ulterior
tratamento.
Apesar
de ilícita, a conduta do Médico poderá ficar impune, se fundada no
consentimento do doente para a interrupção do tratamento. Ou seja, a eutanásia
passiva será legítima se apoiada na vontade do paciente recusar o tratamento
médico, mesmo que ponha em risco a sua própria vida ou que a omissão seja a
causa suficiente de sua morte. Tal direito enquadra-se na dimensão da própria
dignidade da pessoa humana, como reza a Carta dos Direitos das Pessoas Doentes,
aprovada pela Organização Mundial de Saúde em 18 de Junho de 1996.
Assim,
o consentimento informado funciona como o limite da obrigação jurídica de
curar, mas é necessário que a recusa do tratamento não padeça de vício
relevante, como quando o doente não tem o pleno conhecimento da situação em que
se encontra. No caso dos pacientes inconscientes de modo irreversível ou que já
não estão em condições de decidir de forma responsável, é necessário
recorrer-se à sua vontade presumida, ou, ainda, quando se está diante de
doentes menores, o consentimento terá que ser dado pelos seus representantes
legais.