O mês passado foi marcado pelo Dia Internacional contra a Alienação Parental (25 de Abril). Pouco se falou sobre isso. E no mesmo mês (4 de Abril), na cidade brasileira de Três Passos (Rio Grande do Sul), uma tragédia chamou a atenção para o grave problema da alienação parental levado às últimas consequências: a morte do menino Bernardo Boldrini, 11 anos, perpetrada pelo pai e madrasta. Bernardo era órfão de mãe (em razão do suicídio desta) e queixava-se de carência afetiva; procurou a Justiça suplicando que o colocassem numa família de substituição. O pai impedia-lhe de contatar e ver a avó materna que, na ausência da mãe, deveria fazer as vezes desta. Mas apesar do Ministério Público instaurar uma ação contra o pai por negligência afetiva e abandono familiar, o Judiciário manteve Bernardo com o pai e madrasta. Lamentavelmente, esta tragédia poderia ter sido evitada se, constatada e declarada a alienação parental do pai relativamente à avó, fosse-lhe conferida a convivência familiar com o neto ou mesmo a guarda compartilhada.
A questão é que o assunto da alienação parental ainda é pouco valorizado pelo Judiciário, em que pese ser patente nas audiências de disputa de custódia de crianças e regulamentação de visitas no contexto de processos de divórcio carregado de mágoas; cujos litígios, maioritariamente, desembocam em ofensas ao outro e na luta pela exclusividade dos filhos. Neste aspeto, as mulheres (predominantemente por deterem a guarda) constituem a grande maioria enquanto "alienante" ou são quem normalmente obstaculizam a convivência dos filhos com os pais, sendo a consequência mais grave a completa destruição dos vínculos afetivos entre o menor e o genitor "alienado".
Mas o que é mesmo a alienação parental? A expressão foi cunhada em 1985 pelo psiquiatra infantil norte-americano Richard A. Gardner, que relatou-a como o abuso emocional ou "campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a 'lavagem cerebral, programação, doutrinação') e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável" (apud Yves A. R. Zamataro, in: Migalhas «Alienação parental no direito brasileiro», de 15-05-2013).
No entanto, é preciso demarcar a diferença entre a alienação parental (AP) evidenciada em sede judicial e a síndrome da alienação parental (SAP), esta de contornos mais graves, associada "aos efeitos patológicos suportados pelo menor, padecente do controle totalitário do guardião, a ponto de desaprovar e rejeitar o outro genitor, anulando-o como referência". O impedimento ao livre exercício do direito de convívio externalizado pelas visitas interceptadas pode se notar através de atos ou "Obstáculos a uma regular convivência com o filho, embaraços provocados ao regular exercício do direito de visita, estorvos frequentes a dificultar o poder parental do genitor" (Jones Figueirêdo Alves, in: Migalhas «Alienação parental: ilicitude ou síndrome», de 31-01-2014). Atente-se, no entanto, que a SAP não está incluída no catálogo de doenças psíquicas internacionalmente aceites, por não ser reconhecida com status científico. Em todo o caso, para uma análise mais aprofundada sobre os possíveis sintomas desenvolvidos pelo menor, dentre os quais "ansiedade, medo, insegurança, isolamento, depressão, comportamento hostil, falta de organização, dificuldade na escola, dupla personalidade" e, no futuro, "dificuldades de relação com autoridade; problemas de identidade sexual; desenvolvimento de doenças psicossomáticas; baixa autoconfiança; dificuldade no estabelecimento de relações interpessoais afetuosas e saudáveis", veja-se Migalhas «Alienação parental merece atenção da sociedade», de 24-04-2014; também, Alienação Parental - Texto do Juiz Des. do Tribunal da Relação de Évora José Bernardo Domingos, de 24-06-2009.
No Brasil, há lei específica a regulamentar a matéria - a Lei nº 12.318, de 26 de Agosto de 2010 -, que define no seu Art. 2º a alienação parental como "a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este". E exemplifica: "I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós". Em Portugal, a alienação parental é tratada através dos dispositivos do Código Civil e pela jurisprudência dos Tribunais.
É muito importante informar as pessoas dos sintomas e do perigo da alienação parental não só para os menores, verdadeiros órfãos de pais vivos, como também para os pais privados da convivência e da participação na educação e no desenvolvimento dos seus filhos. A melhor atitude é sem dúvida a preventiva: se sentem ou se conhecem casos de alienação parental, devem informar, consultar e pedir ajuda a um psicoterapeuta ou alguém de confiança. Especialistas explicam que o comportamento pode acontecer de maneira inconsciente, de modo que é preciso chamar a atenção para o caso de percecionarem alguns desses sintomas ou evidências. Mas instalada a alienação parental, o melhor é buscar o aconselhamento de um advogado e, sendo o caso, levar ao conhecimento da Justiça. Lembrem-se: seja por desamor, seja pelos motivos mais dolorosos, uma relação conjugal pode chegar ao fim. Mas por pior que seja a situação, os filhos devem ser preservados das mágoas, culpas e diferenças dos seus pais.
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