quarta-feira, 11 de maio de 2016

DIVÓRCIO, por Arnaldo Jabor

Como advogada fiz alguns divórcios, uns tantos de amigas. Uma delas, amiga pra caramba, casou sem meu consentimento e depois fiz-lhe o divórcio, contrariada. Avisei-a! Ela voltou a casar umas três vezes mais com o ex-marido. Meu trabalhinho perdido! Daí entendi que o bom mesmo é casar. Eu vou no meu terceiro ou quarto casamento. Com o mesmo homem. Não desisto dele, mesmo quando estou a rasquinha! Para quê? A gente já conhece nossos probleminhas. No fim das contas, mudam-se só os parceiros. A história pelo meio é sempre mais ou menos igual: o tempo, a vida, os filhos, o dinheiro, o sofá... Eu cá aviso-lhe: "É preciso abrandar, temos filhas pequenas para criar." E casamos de novo. Bom mesmo é casar!

Que texto maravilhoso do Jabor! Das coisas escritas que a gente deve ler e guardar, vezes sem conta...

Meus amigos separados não cansam de perguntar como consegui ficar casado 30 anos com a mesma mulher. As mulheres sempre mais maldosas que os homens, não perguntam a minha esposa como ela consegue ficar casada com o mesmo homem, mas como ela consegue ficar casada comigo. Os jovens é que fazem as perguntas certas, ou seja, querem conhecer o segredo para manter um casamento por tanto tempo. Ninguém ensina isso nas escolas, pelo contrário. Não sou um especialista do ramo, como todos sabem, mas dito isso, minha resposta é mais ou menos a que segue: 
Hoje em dia o divórcio é inevitável, não dá para escapar. Ninguém agüenta conviver com a mesma pessoa por uma eternidade. Eu, na realidade já estou em meu terceiro casamento – a única diferença é que casei três vezes com a mesma mulher. 
Minha esposa, se não me engano está em seu quinto, porque ela pensou em pegar as malas mais vezes que eu. O segredo do casamento não é a harmonia eterna. Depois dos inevitáveis arranca-rabos, a solução é ponderar, se acalmar e partir de novo com a mesma mulher. 
O segredo no fundo é renovar o casamento e não procurar um casamento novo. Isso exige alguns cuidados e preocupações que são esquecidos no dia-a-dia do casal. 
De tempos em tempos, é preciso renovar a relação. De tempos em tempos é preciso voltar a namorar, voltar a cortejar, seduzir e ser seduzido. Há quanto tempo vocês não saem para dançar? Há quanto tempo você não tenta conquistá-la ou conquistá-lo como se seu par fosse um pretendente em potencial? 
Há quanto tempo não fazem uma lua-de-mel, sem os filhos eternamente brigando para ter a sua irrestrita atenção? 
Sem falar dos inúmeros quilos que se acrescentaram a você depois do casamento. Mulher e marido que se separam perdem 10 kg em um único mês, por que vocês não podem conseguir o mesmo? 
Faça de conta que você está de caso novo. Se fosse um casamento novo, você certamente passaria a frequentar lugares novos e desconhecidos, mudaria de casa ou apartamento, trocaria seu guarda-roupa, os discos, o corte de cabelo, a maquiagem. Mas tudo isso pode ser feito sem que você se separe de seu cônjuge. 
Vamos ser honestos: ninguém aguenta a mesma mulher ou o mesmo marido por trinta anos com a mesma roupa, o mesmo batom, com os mesmos amigos, com as mesmas piadas. Muitas vezes não é a sua esposa que está ficando chata e mofada, é você, são seus próprios móveis com a mesma desbotada decoração. 
Se você se divorciasse, certamente trocaria tudo, que é justamente um dos prazeres da separação. Quem se separa se encanta com a nova vida, a nova casa, um novo bairro, um novo circuito de amigos. 
Não é preciso um divórcio litigioso para ter tudo isso. Basta mudar de lugares e interesses e não se deixar acomodar. Isso obviamente custa caro e muitas uniões se esfacelam porque o casal se recusa a pagar esses pequenos custos necessários para renovar um casamento. 
Mas se você se separar, sua nova esposa vai querer novos filhos, novos móveis, novas roupas e você ainda terá a pensão dos filhos do casamento anterior. 
Não existe essa tal “estabilidade do casamento” nem ela deveria ser almejada. O mundo muda, e você também, seu marido, sua esposa, seu bairro e seus amigos. 
A melhor estratégia para salvar um casamento não é manter uma “relação estável”, mas saber mudar junto. Todo cônjuge precisa evoluir, estudar, aprimorar-se, interessar-se por coisas que jamais teria pensado em fazer no inicio do casamento. Você faz isso constantemente no trabalho, porque não fazer na própria família? 
É o que seus filhos fazem desde que vieram ao mundo. Portanto descubra a nova mulher ou o novo homem que vive ao seu lado, em vez de sair por aí tentando descobrir um novo interessante par. Tenho certeza que seus filhos os respeitarão pela decisão de se manterem juntos e aprenderão a importante lição de como crescer e evoluir unidos apesar das desavenças. Brigas e arranca-rabos sempre ocorrerão: por isso de vez em quando é necessário se casar de novo, mas tente fazê-lo sempre com o mesmo par. 
Como vê, NÃO EXISTE MÁGICA – EXISTE COMPROMISSO, COMPROMETIMENTO E TRABALHO – é isso que salva casamentos e famílias.”
(Arnaldo Jabor)

terça-feira, 19 de abril de 2016

Bastidores de um fim de semana de pais dos melhores atletas do mundo




Levantar da cama às 6h, vestir-se, a seguir levantar as crianças. E ser cabeleireira, maquiadora, incentivadora... 

Não, começou antes disso.

Passar a semana entre o trabalho e a ler e-mails, imprimir os horários e o programa, trocar mensagens com os pais... 

Ser costureira, cenógrafo, treinador, transportador, patrocinador oficial...

Preparar mochila com roupas, comidas e remédios...

Ah! Fazer um bolinho para animar a torcida e a equipa! Comemorar o aniversário na arquibancada, juntamente com a família que aumentou de tamanho. 

Ser mãe e fotógrafa, pai e ídolo, ser irmã mais nova e paciente, ir de arrastão, aprender a integrar-se. Ser irmão mais velho e competir por outro Clube. Dividir as atenções.

Gerir a ansiedade, o cansaço, os nervos, o medo... ser psicóloga.

E quando corre mal, engolir a desilusão e dizer: "Não faz mal!" Mas ao mesmo tempo, ser honesta, apontar as falhas. Lembrar que há que ser divertido mas não a brincar. Afinal, estamos todos envolvidos nisso, já somos muitos, desde o mano mais novo aos avós... Recordar que, se não houver empenho, por vezes a maior prova da vida é saber desistir.

Mas quando corre bem, mesmo que não signifique o melhor resultado, entre lágrimas escondidas, de alegria, e peito inchado de orgulho, sente-se uma felicidade incrível que vem da felicidade daqueles gigantes... campeões!!! 

E naquele instante, há um pódio que não cabe de tão pequeno para tanta gente que nele sobe.


P.S.: Dedicado à Equipa de Atletas, Treinadores e aos Pais do Clube de Ginástica Acrobática do Colégio Integrado Monte Maior. 

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Não desista do amor


Pode ser que sejas feliz,
Outros dias nem tanto,
Outros dias recanto,
Outros dias encanto...

Pode ser amor,
Pode até não ser,
Mas não desistas se for...
Não desistas se for...

E se for? 
Não desistas...

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Os Sequilhos com Goiabada, por Jonathan Araújo

Uma amiga do coração partilhou este texto comigo. Avessa a redes sociais, discreta e atenciosa, envia-me coisas por e-mail ou mais recentemente pelo Wathsupp, que não consigo segurar. Passo a frente. O que é bom é mesmo para circular. 

Fonte: Internet
"Criei o costume de toda semana comprar sequilho com goiabada na padaria perto daqui de casa. Comê-lo bebendo um café sem açúcar tornou-se, sem exagero, um dos momentos mais deliciosos da semana (tirando o dia da coxinha com café). Mas a goiabada me incomodava. Não necessariamente ela, mas sua pouca quantidade. Era um pingo no meio do sequilho. Reclamei na padaria, chamei o padeiro de casquinha e tudo mais. Outro dia, voltando do estágio, passei pela padaria e, pra minha sorte, disseram que havia um sequilho especial pra mim. Lá estava, o meu sonho num sequilho de um real. Quase que completamente coberto de goiabada. Chegando em casa, preparado o café e toda a ritualística necessária para consumir o apetecível sequilho, ocorreu que não comi nem a metade. Enjoei na segunda mordida. Doce demais, chegava a dar náuseas. Dia seguinte, cheguei na padaria e lá estava: outro sequilho coberto de goiabada. Me ofereceram e, por vergonha de dizer que odiei o do dia anterior, comprei. Em casa, raspei a goiabada e comi. O problema, o inferno, não era a goiabada nem o padeiro, era eu. Fui eu quem, amando o que amava, queria do meu jeito, sem entender que eu gostava era do jeito que era, porque se do meu jeito fosse, eu rejeitaria, enjoaria e até tentaria fazê-lo voltar a ser como era. Assim fazemos com as pessoas também. No início as amamos como são, depois que estão conosco começamos a criticar, tentamos mudá-las, tentamos "colocar do nosso jeito", sem saber que nosso jeito são nossas projeções, pessoas que não existem, e que se existissem, enjoaríamos delas. Transformamos para descartar, porque quando aquela pessoa muda, muito provavelmente quem gostávamos não está mais lá. Essa semana voltei a padaria, pedi o sequilho sem goiabada e mandei avisar ao padeiro que o próximo texto quem escreve é ele, provavelmente virá algo de bom, ainda que não seja doce."
(Jonathan Araújo) 

sábado, 20 de fevereiro de 2016

Silêncio!!!

Fonte: Internet

Estava a tentar ouvir o silêncio, mas quando fechava os olhos, via uma casa cheia de vazio. Era a mesma casa de antes, embora agora parecesse estranha demais. Via tudo indo embora: a cama do casal, as roupas do roupeiro, o quarto dos miúdos, os livros, o pó, o cheiro... Só ficava o silêncio que, dizia ela, apertava-lhe o peito e sufocava as palavras que ainda ressoavam no ar. As palavras do silêncio: "Não ajudas"; "És desorganizada"; "Não transas"; "Sentes-te gorda, é por isso"; "Não pagas as contas"; "Não gostas das pessoas"; "Estas sempre de má cara"; "Vives para as crianças"; "Pareces uma dondoca"; "Não tens noção do dinheiro"; "Devias acordar mais cedo"; "Não tens espírito de sacrifício"; "Não sabes gerir"; "Não tens jeito..." Eram as palavras que não queriam se calar as que mais lhe doía, as que lhe roubava a esperança e lhe enchia de medo. Sabia o que tinha de fazer, não sabia como... passou-se demasiado tempo e já não sabia como ser outra pessoa que não aquela (essa) que agora julgava ser. Fizera-lhe acreditar nisso. Como seria ser feliz? Parecia tão simples, parecia uma pintura em tela, um retrato na parede onde todos estavam a sorrir. Alguém, outro dia, disse-lhe que ser feliz dava trabalho... mas parecia tudo tão perfeito! Quando foi que deixou de ser? Será que foi quando um deles sentiu a urgência da vida? Será que foi quando um deles, sobrecarregado dos dois, encolheu-se? Será que foi desde as primeiras contas; desde que se notou as desigualdades; desde que se calaram; desde que gritaram; desde que um continuou e o outro ficou a ver; desde que um ocupou o lugar de dois... Será que foi desde sempre? 

Ela contava-me isso mas dizia que estava bem, eu percebi que era importante para ela e acreditei. Dizia que meditava e que fazia terapia, que logo faria uma viagem sozinha e que haveria de terminar tudo o que começou. Depois... depois que fechasse aquele negócio, seria tudo diferente, dizia. Dizia, ainda assim, que sentia-se em paz. Eu não. Eu não compreendia. Parecia-me silêncio a mais.    

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

"Vocabulário Feminino", por Leila Ferreira

Hoje o dia amanheceu sob o Signo de Eva. O problema foi que encontrou-me cansada. O resto do dia passou por refletir numa forma mais eficiente de DESCOMPLICAR e eliminar o EXCESSO DE PESO DA BAGAGEM. Como pode o raio de uma menina de 4 anos fazer uma birra do tamanho de uma estação de comboio? Por falar nisso, bateu saudades. Saudades das amigas de sempre, das amigas que ouvem, que riem às gargalhadas e que são mulheres reais, como a gente...

Daí lembrei-me do texto "Vocabulário Feminino", abaixo, que por acaso me foi enviado por uma dessas amigas. É da jornalista Leila Ferreira. A imagem é minha. A amiga do coração, também.  

"Se eu tivesse que escolher uma palavra - apenas uma - para ser item obrigatório no vocabulário da mulher de hoje, essa palavra seria um verbo de quatro sílabas: descomplicar. Depois de infinitas (e imensas) conquistas, acho que está passando da hora de aprendermos a viver com mais leveza: exigir menos dos outros e de nós próprias, cobrar menos, reclamar menos, carregar menos culpa, olhar menos para o espelho. Descomplicar talvez seja o atalho mais seguro para chegarmos à tão falada qualidade de vida que queremos - e merecemos - ter. Mas há outras palavras que não podem faltar no kit existencial da mulher moderna. Amizade, por exemplo. Acostumadas a concentrar nossos sentimentos (e nossa energia...) nas relações amorosas, acabamos deixando as amigas em segundo plano. E nada, mas nada mesmo, faz tão bem para uma mulher quanto a convivência com as amigas. Ir ao cinema com elas (que gostam dos mesmos filmes que a gente), sair sem ter hora para voltar, compartilhar uma caipivodca de morango e repetir as histórias que já nos contamos mil vezes - isso, sim, faz bem para a pele. Para a alma, então, nem se fala. Ao menos uma vez por mês, deixe o marido ou o namorado em casa, prometa-se que não vai ligar para ele nem uma vez (desligue o celular, se for preciso) e desfrute os prazeres que só uma boa amizade consegue proporcionar. E, já que falamos em desligar o celular, incorpore ao seu vocabulário duas palavras que têm estado ausentes do cotidiano feminino: pausa e silêncio. Aprenda a parar, nem que seja por cinco minutos, três vezes por semana, duas vezes por mês, ou uma vez por dia - não importa - e a ficar em silêncio. Essas pausas silenciosas nos permitem refletir, contar até 100 antes de uma decisão importante, entender melhor os próprios sentimentos, reencontrar a serenidade e o equilíbrio quando é preciso. Também abra espaço, no vocabulário e no cotidiano, para o verbo rir. Não há creme anti-idade nem botox que salve a expressão de uma mulher mal-humorada. Azedume e amargura são palavras que devem ser banidas do nosso dia a dia. Se for preciso, pegue uma comédia na locadora, preste atenção na conversa de duas crianças, marque um encontro com aquela amiga engraçada - faça qualquer coisa, mas ria. O riso nos salva de nós mesmas, cura nossas angústias e nos reconcilia com a vida. Quanto à palavra dieta, cuidado: mulheres que falam em regime o tempo todo costumam ser péssimas companhias. Deixe para discutir carboidratos e afins no banheiro feminino ou no consultório do endocrinologista. Nas mesas de restaurantes, nem pensar. Se for para ficar contando calorias, descrevendo a própria culpa e olhando para a sobremesa do companheiro de mesa com reprovação e inveja, melhor ficar em casa e desfrutar sua salada de alface e seu chá verde, sozinha. Uma sugestão? Tente trocar a obsessão pela dieta por outra palavra que, essa sim, deveria guiar nossos atos 24 horas por dia: gentileza. Ter classe não é usar roupas de grife: é ser delicada. Saber se comportar é infinitamente mais importante do que saber se vestir. Resgate aquele velho exercício que anda esquecido: aprenda a se colocar no lugar do outro, e trate-o como você gostaria de ser tratada, seja no trânsito, na fila do banco, na empresa onde trabalha, em casa, no supermercado, na academia. E, para encerrar, não deixe de conjugar dois verbos que deveriam ser indissociáveis da vida: sonhar e recomeçar. Sonhe com aquela viagem ao exterior, aquele fim de semana na praia, o curso que você ainda vai fazer a promoção que vai conquistar um dia, aquele homem que um dia (quem sabe?) ainda vai ser seu, sonhe que está beijando o Richard Gere... Sonhar é quase fazer acontecer. Sonhe até que aconteça. E recomece, sempre que for preciso: seja na carreira, na vida amorosa, nos relacionamentos familiares. A vida nos dá um espaço de manobra: use-o para reinventar a si mesma. E, por último (agora, sim, encerrando), risque do seu Aurélio a palavra perfeição. O dicionário das mulheres interessantes inclui fragilidades, inseguranças, limites. Pare de brigar com você mesma para ser a mãe perfeita, a dona de casa impecável, a profissional que sabe tudo, a esposa nota mil. Acima de tudo, elimine de sua vida o desgaste que é tentar ter coxas sem celulite, rosto sem rugas, cabelos que não arrepiam e bumbum que encara qualquer biquíni. Mulheres reais são mulheres imperfeitas. E mulheres que se aceitam como imperfeitas são mulheres livres. Viver não é (e nunca foi) fácil, mas, quando se elimina o excesso de peso da bagagem (e a buscada perfeição pesa toneladas), a tão sonhada felicidade fica muito mais possível."

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Família



Trecho do livro "O Arroz de Palma", de Francisco Azevedo, para saborearmos nesse Natal.

Feliz Natal, com o melhor que temos!

"Família é prato difícil de preparar. São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema - principalmente no Natal e no Ano-Novo. Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida - azeitona verde no palito - sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite. O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano - quem diria? - solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este, o mais gordo e generoso, farto, abundante. Aquele o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente. E você? É, você mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia. Como saiu no álbum de retratos? O mais prático e objetivo? A mais sentimental? A mais prestativa? O que nunca quis nada com o trabalho? Seja quem for, não fique aí reclamando do gênero ou do grau comparativo. Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua vida. Não há pressa. Eu espero. Já estão aí? Todas? Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e a cebola. Não se envergonhe se chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza. Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, essas especiarias - que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar - tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa. Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível. Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher. Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada. O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe "Família à Oswaldo Aranha", "Família à Rossini", "Família à Belle Meunière" ou "Família ao Molho Pardo" - em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é "À Moda da Casa". E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras, apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada - seriam assim um tipo de "Família Diet", que você suporta só para manter a linha. Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir. Há famílias, por exemplo, que levam muito tempo para serem preparadas. Fica aquela receita cheia de recomendações de se fazer assim ou assado - uma chatice! Outras, ao contrário, se fazem de repente, de uma hora para outra, por atração física incontrolável - quase sempre de noite. Você acorda de manhã, feliz da vida, e quando vai ver já está com a família feita. Por isso é bom saber a hora certa de abaixar o fogo. Já vi famílias inteiras abortadas por causa de fogo alto. Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia-a-dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente, na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro. Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete."